A multinacional Nestlé, uma das maiores fabricantes de alimentos do mundo, foi autuada pelo Procon-SP por veicular publicidade enganosa em produtos que, segundo a autarquia, não continham os ingredientes destacados nas embalagens. A infração pode resultar em uma multa de quase R$ 13 milhões, caso as irregularidades sejam confirmadas após análise final do processo.
A denúncia envolve principalmente biscoitos da linha Nesfit e um produto à base de creme de leite, cujas formulações não correspondiam às informações apresentadas ao consumidor. A situação reacende o debate sobre transparência na rotulagem e os direitos do consumidor no Brasil.
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Entenda a acusação do Procon-SP
Produtos supostamente sem os ingredientes destacados
De acordo com o órgão de defesa do consumidor, os seguintes produtos comercializados pela Nestlé continham informações potencialmente enganosas:
- Nesfit Aveia e Mel
- Nesfit Leite e Mel
- Nesfit Cookie Cacau, Aveia e Mel
A análise técnica do Procon-SP indicou que não havia mel na composição dos produtos acima, apesar do ingrediente estar claramente destacado nos nomes comerciais impressos nas embalagens.
Creme de leite diluído com soro de leite
Outro item que gerou autuação foi a “Mistura de Creme de Leite”, produto que trazia a inscrição “Nestlé Creme de Leite” de forma destacada. No entanto, a composição real continha creme de leite UHT misturado com soro de leite, um ingrediente mais barato e com menor valor nutricional e sensorial.
A crítica do Procon-SP se baseia no entendimento de que o uso da marca e da apresentação visual do rótulo induz o consumidor a acreditar que se trata do creme de leite puro, o que, segundo a entidade, configura prática abusiva.
O que diz o Código de Defesa do Consumidor?
O artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) proíbe expressamente qualquer forma de publicidade enganosa ou abusiva. A prática é considerada infração grave, especialmente quando a informação oferecida nas embalagens induz o comprador ao erro.
Trecho relevante da lei:
“É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor.”
Com base nesse entendimento, o Procon considera que a Nestlé pode ter infringido a legislação ao utilizar expressões e elementos gráficos que não condizem com o conteúdo real dos produtos.
O valor da multa e o processo administrativo

A autuação foi registrada no final de abril de 2025 e, segundo o Procon-SP, a multa poderá chegar a R$ 12,9 milhões, dependendo da confirmação das irregularidades após a apresentação da defesa da empresa.
Como a multa é calculada?
O valor da penalidade leva em conta:
- A gravidade da infração;
- O porte econômico da empresa;
- A vantagem auferida com a prática irregular;
- O prejuízo potencial ou efetivo causado ao consumidor.
Se for considerada reincidente, a Nestlé poderá ser penalizada com agravamento da multa, conforme previsto na legislação consumerista.
Posicionamento da Nestlé
Procurada pela imprensa, a Nestlé informou que cumpre integralmente a legislação brasileira vigente, incluindo todas as regras relativas à rotulagem e à comunicação de seus produtos alimentícios.
Nota oficial da empresa
“Em relação aos itens mencionados, cabe destacar que os biscoitos Nesfit Aveia e Mel, Nesfit Leite e Mel e Nesfit Cookie Cacau, Aveia e Mel foram descontinuados em 2022. O mesmo se aplica à Mistura de Creme de Leite, que deixou de ser comercializada em 2023”, informou a companhia em nota.
A empresa também afirmou que apresentará sua defesa às autoridades competentes, como prevê o processo administrativo instaurado pelo Procon-SP.
Produtos descontinuados, mas impactos continuam
Apesar de os produtos já terem sido retirados de circulação, o Procon-SP mantém a autuação com base no princípio da retroatividade administrativa, segundo o qual práticas comerciais irregulares passadas podem ser responsabilizadas se causaram dano ou engano ao consumidor à época em que estavam disponíveis no mercado.
Além disso, muitos consumidores relataram sentirem-se enganados por confiarem na marca e na proposta dos produtos, especialmente no caso dos biscoitos da linha Nesfit, que são amplamente associados à alimentação saudável.
Especialistas avaliam o caso
Para juristas e nutricionistas, o caso é emblemático porque expõe falhas na regulação da rotulagem de alimentos e no uso de expressões que podem ser ambíguas ou induzir o consumidor ao erro.
Opinião de nutricionistas
Segundo a nutricionista Letícia Andrade, especialista em rotulagem nutricional, o uso de termos como “mel” ou “creme de leite” pode gerar falsas expectativas:
“O consumidor acredita que está adquirindo um produto com um ingrediente nobre, mas na prática, muitas vezes está comprando algo que apenas simula aquele sabor, com aroma ou corantes artificiais.”
Como o consumidor pode se proteger?
A principal forma de evitar esse tipo de situação é ler atentamente a lista de ingredientes no verso das embalagens. O rótulo frontal, embora chamativo, nem sempre representa a composição real do alimento.
Dicas práticas:
- Verifique a lista de ingredientes — eles estão ordenados por quantidade, do maior para o menor.
- Busque certificações oficiais, como selos da Anvisa.
- Desconfie de nomes comerciais com ingredientes que não aparecem na formulação.
Casos semelhantes no Brasil
Este não é o primeiro caso de grandes marcas sendo autuadas por publicidade enganosa. Em anos anteriores, outras companhias do setor alimentício foram notificadas por usar expressões como “natural“, “integral” ou “rico em fibras” em produtos que, na verdade, não correspondiam a essas promessas.
Esses episódios geram discussões sobre a necessidade de um marco legal mais claro para o uso de nomes comerciais e rotulagem front-of-pack (rótulo da frente da embalagem), que pode ser confundida com informação nutricional.
Considerações finais: o que este caso representa para o mercado
A autuação da Nestlé pelo Procon-SP mostra que, mesmo grandes marcas globais, estão sujeitas à fiscalização e responsabilização por práticas que possam infringir os direitos do consumidor. O caso chama atenção para a importância da clareza nas embalagens, do uso responsável da publicidade e da vigilância dos órgãos competentes.
Mais do que um processo administrativo, a situação traz à tona o debate sobre ética na comunicação de alimentos, reforçando o direito do consumidor à informação clara, correta e objetiva.