Desde que foi incorporada à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) com a Reforma Trabalhista de 2017, a demissão consensual tem sido uma alternativa adotada por muitas empresas para encerrar contratos de trabalho de forma amigável. Prevista no artigo 484-A, essa modalidade permite que patrões e empregados cheguem a um acordo mútuo de desligamento, com regras específicas para o pagamento das verbas rescisórias.
Apesar da praticidade e da aparente economia que oferece para o empregador, a demissão por acordo pode se tornar um problema quando não é realizada com os devidos cuidados. Este artigo explica como funciona o mecanismo, quais são os seus benefícios e quais os riscos jurídicos para as empresas.
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Como funciona a demissão consensual
Base legal: o artigo 484-A da CLT
A legislação trabalhista brasileira passou a permitir que o contrato de trabalho seja encerrado por meio de um consenso entre as partes. Nessa forma de rescisão, o empregador realiza o pagamento de:
- 50% do valor referente ao aviso prévio (se indenizado);
- 50% da multa sobre o saldo do FGTS (reduzida de 40% para 20%);
- Liberação para saque de até 80% do FGTS;
- Pagamento integral das demais verbas rescisórias (férias vencidas e proporcionais, 13º salário, saldo de salário etc.).
Entretanto, o empregado não tem direito ao benefício do seguro-desemprego nessa modalidade.
Vantagens para as partes envolvidas
Para as empresas
- Redução de custos: ao invés de pagar 100% da multa do FGTS, a empresa arca com apenas metade do valor.
- Evita conflitos: permite um encerramento do vínculo sem a necessidade de alegar justa causa ou arcar com todos os custos de uma dispensa unilateral.
Para os trabalhadores
- Negociação mais amigável: em casos em que o trabalhador já deseja sair da empresa, a demissão consensual pode ser uma forma de facilitar o processo sem perder direitos importantes.
- Acesso a parte do FGTS: mesmo sem o seguro-desemprego, o saque de até 80% do fundo pode ajudar no período de transição.
Riscos jurídicos para o empregador

Coação ou falta de entendimento do empregado
Um dos maiores problemas enfrentados pelas empresas é a contestação do acordo na Justiça do Trabalho. Se o empregado alegar que foi pressionado a assinar ou que não compreendia o que estava sendo acordado, o termo de rescisão pode ser invalidado. Isso pode resultar no reconhecimento de uma demissão sem justa causa, com a obrigação de pagamento da multa integral do FGTS e outras verbas complementares.
Uso sistemático como política de contenção de custos
Se a empresa adotar a demissão consensual como prática padrão, sem avaliar caso a caso, pode ser acusada de burlar a legislação trabalhista. O Ministério Público do Trabalho pode entender que há desvio de finalidade e instaurar investigações por possível fraude.
Passivos trabalhistas ocultos
Mesmo com a formalização do acordo, o trabalhador pode entrar com uma ação judicial questionando valores pagos ou omitidos. Isso acontece, por exemplo, quando há acúmulo de horas extras, desvio de função ou outros direitos não quitados no momento da rescisão.
Cuidados essenciais para empresas
Formalização clara e transparente
- Elaborar documentos individualizados com linguagem clara e objetiva;
- Incluir cláusulas específicas informando que o trabalhador está ciente de que não terá direito ao seguro-desemprego;
- Especificar todas as verbas que estão sendo pagas e seus respectivos valores;
- Fazer menção expressa ao artigo 484-A da CLT.
Garantia da voluntariedade
- Registrar reuniões e conversas que comprovem que o trabalhador aceitou o acordo de forma espontânea;
- Permitir que o empregado consulte um advogado ou representante sindical antes de assinar;
- Evitar práticas que possam ser interpretadas como assédio ou pressão psicológica.
Prazos e obrigações legais
- Pagar as verbas rescisórias até 10 dias após o término do contrato;
- Fornecer todos os documentos obrigatórios: TRCT, extrato do FGTS, chave de conectividade para saque, comprovante de pagamento etc.;
- Registrar corretamente a movimentação no sistema eSocial.
Situações em que a demissão consensual não é recomendada
Quando há disputa prévia entre as partes
Se o clima entre empregado e empregador já é de tensão, o ideal é evitar o acordo consensual. Nesse caso, pode ser mais seguro optar por uma demissão sem justa causa com pagamento integral das verbas, evitando questionamentos futuros.
Durante períodos de instabilidade na empresa
Empresas em processo de reestruturação, fusão ou enfrentando crises financeiras devem ter cuidado ao realizar demissões por acordo. Se muitos funcionários forem desligados por esse método em pouco tempo, pode haver questionamentos coletivos e denúncias ao MPT.
Análise de especialistas: o que dizem os tribunais
Decisões recentes dos tribunais trabalhistas reforçam a importância da transparência e da voluntariedade. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reiterado que o simples fato de o trabalhador assinar um acordo não exclui o dever do empregador de provar que não houve coação ou erro de interpretação.
Em alguns casos, empresas foram condenadas a pagar diferenças rescisórias após ficarem comprovadas práticas abusivas durante o processo de demissão consensual.
Considerações finais
A demissão consensual é uma ferramenta útil e válida dentro do ordenamento jurídico brasileiro, desde que usada com responsabilidade. Para o empregador, ela oferece economia e evita litígios desnecessários. Para o empregado, pode representar uma alternativa mais justa quando o desejo de desligamento é mútuo.
No entanto, para que esse processo seja seguro, é indispensável garantir a clareza, a formalidade e o pleno conhecimento dos envolvidos. Evitar pressões e cumprir todos os requisitos legais são atitudes que protegem a empresa de futuros questionamentos judiciais.
Utilizada da maneira correta, a demissão por acordo pode trazer benefícios mútuos e contribuir para um ambiente de trabalho mais ético, transparente e respeitoso. Já o uso incorreto ou apressado dessa modalidade pode transformar uma solução prática em um sério problema jurídico.