Um lugar único no Brasil que atrai olhares da ciência e da sociedade
No interior do estado de Sergipe, a aproximadamente 120 quilômetros de Aracaju, existe um município que chamou a atenção do país e do mundo por uma característica singular: a alta incidência de pessoas com nanismo. Estamos falando de Itabaianinha, cidade de pouco mais de 40 mil habitantes que abriga uma das maiores concentrações de pessoas com baixa estatura proporcional em todo o mundo.
Durante décadas, o bairro rural de Carretéis, dentro do território municipal, foi palco de um fenômeno genético raro que afetou diretamente a altura de dezenas de moradores. Com indivíduos medindo em média entre 1,10 m e 1,35 m, a cidade ficou popularmente conhecida como a “capital dos anões”, uma expressão controversa, mas que despertou curiosidade de pesquisadores e da mídia nacional e internacional.
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O que explica a alta taxa de nanismo na cidade?
Um caso de nanismo hormonal, não genético ósseo
O tipo de nanismo observado em Itabaianinha é resultado de uma condição médica chamada Deficiência Isolada de Hormônio do Crescimento (DIGH). Essa condição impede que o corpo produza adequadamente o hormônio necessário para o desenvolvimento físico normal durante a infância e adolescência.
Diferente da acondroplasia, a forma mais comum de nanismo que afeta o desenvolvimento dos ossos, a DIGH resulta em um corpo com proporções harmoniosas, apenas em menor escala. Isso significa que os afetados têm braços, pernas e tronco proporcionais, porém com uma altura final inferior ao esperado.
Origem genética e hereditariedade
Pesquisas realizadas por cientistas brasileiros apontam que o fenômeno se originou de uma mutação genética rara que se espalhou entre os moradores da região devido a gerações de casamentos entre parentes próximos ou pessoas da mesma comunidade. O isolamento geográfico de Carretéis por décadas contribuiu para que essa mutação se tornasse mais comum entre seus habitantes.
Estudos indicam que o gene responsável pela DIGH era transmitido de forma autossômica recessiva — ou seja, só se manifesta quando herdado dos dois pais. Esse fator genético, aliado ao contexto social da região, favoreceu a multiplicação dos casos.
Impactos sociais e culturais no cotidiano da população
Orgulho da identidade e visibilidade nacional
Apesar do termo “capital dos anões” ter sido usado de forma sensacionalista em reportagens passadas, muitos moradores transformaram essa particularidade em parte de sua identidade. Alguns se tornaram figuras conhecidas regionalmente, participando de feiras, programas de TV e sendo procurados por jornalistas, estudiosos e curiosos.
A cidade passou a receber atenção de antropólogos e médicos interessados em estudar não apenas a genética, mas também os aspectos sociais da convivência com o nanismo em um contexto comunitário tão peculiar.
Estigma e superação
Por outro lado, muitos dos afetados relataram enfrentar preconceitos, piadas e exclusão social, especialmente em viagens para fora da cidade. Alguns tiveram dificuldade para acessar o mercado de trabalho, transporte público e sistemas de saúde não adaptados para suas necessidades físicas.
Apesar disso, diversas histórias de superação marcaram a trajetória dos moradores. Alguns se tornaram empresários, professores, líderes comunitários e exemplos de inclusão.
O papel do avanço médico no combate à DIGH

Tratamento com hormônio do crescimento muda o cenário atual
Nas últimas décadas, o cenário em Itabaianinha começou a mudar. Com a chegada de exames mais precisos e do acesso ao tratamento com hormônio do crescimento (GH), muitas crianças que nascem com predisposição à DIGH passaram a receber diagnóstico precoce e tratamento adequado, o que permitiu o desenvolvimento de uma estatura considerada dentro da média nacional.
Esse avanço resultou em uma diminuição significativa nos casos recentes de nanismo na cidade, especialmente entre as novas gerações. O Sistema Único de Saúde (SUS) passou a disponibilizar o tratamento em parceria com secretarias municipais e estaduais de saúde.
O impacto familiar e a quebra do ciclo
Muitas famílias que antes tinham vários membros com nanismo agora veem seus filhos crescerem com altura próxima ao padrão médio. Isso contribuiu para a quebra de um ciclo histórico e permitiu novos horizontes sociais e profissionais para essas crianças.
O futuro da cidade: entre o legado e a transformação
Preservar a memória sem alimentar o estigma
A questão agora é como manter viva a história de superação de Itabaianinha sem reduzi-la a um rótulo ou caricatura. A cidade tem trabalhado para valorizar a memória daqueles que viveram com a condição e ajudaram a moldar sua identidade, mas também quer mostrar que é muito mais que um fenômeno genético.
Propostas para criação de um centro de referência ou museu que aborde a condição e a trajetória da comunidade vêm sendo discutidas por representantes locais. A ideia é promover a informação, o respeito e o reconhecimento histórico da cidade sem sensacionalismo.
Desenvolvimento econômico e turismo consciente
O município também busca se fortalecer em outras áreas, como agricultura, comércio e turismo sustentável. As autoridades locais têm incentivado o turismo de base comunitária e a divulgação de outros atrativos da região, como festas culturais e tradições sergipanas.
No entanto, há o cuidado de evitar que o turismo reduza a cidade à condição genética que a tornou conhecida, preservando a dignidade e a privacidade dos moradores.
Quem são os “carretéis”: o bairro onde tudo começou
O povoado de Carretéis é considerado o epicentro do fenômeno em Itabaianinha. Foi lá que os primeiros casos começaram a ser identificados ainda no século XX, e onde grande parte das famílias que carregam o gene mutado residiam. Hoje, mesmo com a diminuição dos casos, o bairro continua sendo referência na história da cidade e mantém moradores com estatura reduzida em número significativo.
Itabaianinha em números
- População estimada: cerca de 43 mil habitantes
- Localização: sul do estado de Sergipe
- Número estimado de pessoas com nanismo proporcional: já foi de até 1 a cada 30 habitantes em Carretéis
- Condição predominante: Deficiência Isolada do Hormônio do Crescimento (DIGH)
- Tratamento disponível: Hormônio do crescimento via SUS
Considerações finais
Itabaianinha é muito mais do que a chamada “capital dos anões”. É um exemplo real de como fatores genéticos, sociais e históricos se entrelaçam para formar um caso único no mundo. A cidade sergipana enfrentou desafios com coragem, transformando um possível estigma em um motivo de identidade, orgulho e reflexão para o Brasil e o mundo.
Com o avanço da medicina, a mudança de mentalidade e o fortalecimento da cidadania, Itabaianinha segue escrevendo um novo capítulo — agora com inclusão, diversidade e respeito.












