O avanço de uma ameaça invisível
A violência digital contra mulheres deixou de ser um fenômeno isolado para se transformar em um dos grandes problemas sociais do Brasil contemporâneo. O ambiente online, que deveria ser um espaço de livre expressão, se tornou palco de ataques misóginos, perseguições e ameaças graves. Em muitos casos, essas agressões não se restringem ao mundo virtual, transbordando para situações reais que colocam em risco a vida e a saúde mental das vítimas.
Relatórios recentes de organizações nacionais e internacionais revelam que o problema cresce de forma acelerada. O Brasil aparece entre os países com maior incidência de ataques virtuais direcionados a mulheres, principalmente figuras públicas, jornalistas, ativistas e políticas. O impacto não é apenas individual, mas coletivo: o silêncio forçado de vozes femininas enfraquece a democracia e aprofunda desigualdades.
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Dados que revelam a dimensão do problema
Stalking e violência psicológica em alta
De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os casos de stalking subiram 34,5% em um ano, alcançando mais de 77 mil registros em 2023. A violência psicológica, por sua vez, somou quase 39 mil ocorrências, com crescimento superior a 33%. Esses números evidenciam como o ambiente digital facilita a perseguição e o assédio constante, muitas vezes em escala massiva.
Práticas digitais de intimidação
Entre os crimes mais relatados estão o cyberstalking, em que o agressor monitora e persegue a vítima virtualmente, e o doxxing, prática de expor dados pessoais como endereço e telefone em fóruns ou redes sociais. Outro recurso em ascensão é o uso de aplicativos espiões, conhecidos como stalkerware, que permitem controlar celulares e computadores sem consentimento, violando a privacidade das vítimas.
Subnotificação ainda é um desafio
Especialistas apontam que os números oficiais representam apenas parte da realidade. Muitas mulheres deixam de registrar ocorrência por medo de represálias, descrença no sistema de justiça ou falta de informações sobre os canais de denúncia. A subnotificação, portanto, é um dos maiores entraves para a formulação de políticas públicas eficazes.
Quando a ameaça virtual vira violência política

O caso simbólico de Marielle Franco
Um dado alarmante é a frequência com que ameaças virtuais fazem referência ao assassinato de Marielle Franco. Pesquisas recentes indicam que mais de 60% das ameaças contra mulheres em espaços digitais mencionam o crime, funcionando como símbolo de intimidação contra mulheres negras e atuantes na política.
O silenciamento de candidatas
Estudos acadêmicos revelam que ataques virtuais têm efeito direto sobre a atuação de mulheres na política. Muitas candidatas relatam redução drástica na participação online após campanhas de assédio digital, principalmente jovens e representantes de partidos progressistas. O resultado é a exclusão indireta da mulher dos debates públicos e da vida política.
Respostas legais e institucionais
A lei que agrava penas com uso de inteligência artificial
Com o avanço das tecnologias, surgem novas formas de violência, como a criação de imagens manipuladas com inteligência artificial. Para enfrentar essa realidade, foi sancionada uma lei que aumenta em 50% a pena de crimes de violência psicológica praticados com uso de IA. A medida busca coibir a disseminação de “deepfakes” e outros conteúdos que distorcem a imagem de mulheres com fins de intimidação ou difamação.
Serviços de apoio e acolhimento
Ferramentas como a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 desempenham papel central. Em 2024, foram registradas mais de 100 mil denúncias apenas relacionadas à violência psicológica. Além disso, serviços como as Casas da Mulher Brasileira e delegacias especializadas em atendimento à mulher ampliam a rede de proteção, oferecendo suporte jurídico, social e psicológico.
A importância da educação digital
Organizações civis e entidades governamentais têm ressaltado a necessidade de promover a educação digital como ferramenta de prevenção. Ensinar mulheres a identificar sinais de stalking, proteger dados pessoais e denunciar agressões pode reduzir a vulnerabilidade no ambiente online.
Comparativo nacional e internacional
A posição do Brasil
Levantamentos mostram que o Brasil está entre os países com maior número de registros de violência contra mulheres. Somente em 2023, foram mais de 275 mil casos de agressões notificados. Desse total, 64% ocorreram em contexto doméstico, mas a interseção com o digital se intensifica a cada ano, seja pela facilidade de contato, seja pela repercussão ampliada nas redes sociais.
Feminicídios ainda preocupam
Apesar de uma pequena redução nos feminicídios registrados em 2024, o país contabilizou mais de 1.400 casos. O dado revela que, embora a violência letal esteja relativamente estável, as ameaças virtuais e psicológicas seguem crescendo e, em muitos casos, antecedem crimes físicos mais graves.
Caminhos possíveis para conter o avanço
Medidas governamentais
- Investimento em tecnologia: ampliar o monitoramento de crimes virtuais e treinar equipes policiais para identificar práticas como cyberstalking e doxxing.
- Políticas públicas de proteção: criar protocolos específicos para proteção imediata de mulheres ameaçadas virtualmente, evitando que o digital evolua para agressão física.
Papel das plataformas digitais
As empresas de tecnologia também precisam assumir responsabilidade. Adoção de sistemas de detecção automática de discurso de ódio, maior agilidade na retirada de conteúdo abusivo e canais acessíveis de denúncia são medidas fundamentais.
Envolvimento da sociedade civil
Campanhas de conscientização ajudam a combater a naturalização do assédio online. Além disso, coletivos feministas e ONGs vêm atuando como pontes entre vítimas e o sistema de justiça, prestando apoio jurídico e psicológico.
Considerações finais
A violência digital contra mulheres cresce em ritmo alarmante e já é considerada uma das principais ameaças à liberdade de expressão feminina. A combinação de discursos misóginos, perseguições online, uso de tecnologias avançadas e ameaças explícitas forma um cenário que exige respostas rápidas e firmes.
Mais do que leis, é necessário um esforço conjunto de Estado, sociedade e plataformas digitais para transformar o espaço virtual em um ambiente seguro. Afinal, garantir que mulheres possam se expressar sem medo é garantir a integridade da democracia e o respeito aos direitos humanos.


