Aos 20 anos, Bernardo Lucas Piñon de Manfredi foi destaque no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2016. Um dos 77 participantes que conquistou a nota máxima de redação, o jovem, que é surdo (em ambos os ouvidos), foi aprovado nos dois cursos que sonha estudar: filosofia e história. O primeiro veio após aprovação em segundo lugar na PUC-Rio. Já o segundo curso da área de humanas foi conquistado com a primeira posição na lista de aprovados da UFRJ.
Apesar das vitórias pessoais, na prática as aulas foram acompanhados de um grande problema: falta de acessibilidade. Incapaz de acompanhar as aulas por não haver ninguém que realizasse as leituras labiais, Bernardo precisou abandonar os dois cursos e prestar novamente o ENEM nesse ano, que, por coincidência, teve o tema formação dos surdos como tema da redação.
“O tema da redação realmente me comoveu. Me comoveu porque finalmente vi que eu existia. Existia ali o surdo. Eu sempre me senti excluído por ter a minha deficiência. Mas pegar uma redação com este tema realmente foi uma grande oportunidade. Oportunidade de levantar a voz do silêncio e mostrar que a surdez pode nos levar para além das fronteiras”, comentou o estudante ao G1.
No início do ano, ao se inscrever na PUC-Rio – faculdade na qual sempre sonhar estudar -, a universidade disponibilizou um intérprete de Libras para as aulas. Contudo, por não ter o domínio da linguagem de sinais, o estudante não conseguiu acompanhar o conteúdo. “Meu filho não sabe Libras, ele só faz leitura labial. Tentamos usar um gravador para eu ajudá-lo depois, mas não funcionou”, explica a mãe, Carmen Pereira. “Ele não conseguia acompanhar as aulas, mesmo com a vontade de aprender”, completou.

Na segunda tentativa de matrícula, dessa vez na UFRJ, o problema foi ainda maior. Na falta de recursos da faculdade, a própria Carmen tentou acompanhar o filho nas aulas. Mas o processo se tornou inviável. “Eram quatro horas de aula, sete matérias, e ficou inviável. Eu fui fazer tradução simultânea para ele, mas era impossível. Não havia estrutura nenhuma para receber uma pessoa surda”, desabafou a mãe.
Bernardo, que é portador de surdez severa bilateral, também tem disgrafia profunda (dificuldade para escrever) e transtorno psicomotor nos braços e nas mãos, por consequência de uma contaminação bacteriana sofrida quando ainda estava na maternidade. Nas provas, o jovem necessita da ajuda de um transcritor, o que não foi disponibilizado e se tornou mais um obstáculo para ele na universidade.

“Faltam todos os recursos dos quais preciso para estudar: um bom aparelho auditivo, um tradutor simultâneo, de leitura labial. Faltou recurso financeiro, e faltou atenção. Todos fizeram um estardalhaço de promessas, mas no final, ficou tudo debaixo do tapete”, contou Bernardo. “Mas é possível mudar. Não adianta o governo apenas obrigar as escolas a aceitarem esses alunos. É preciso mudar o padrão pedagógico e estimular a formação de profissionais especializados e qualificados. É necessário, sobretudo, que haja um contato maior com as pessoas que têm deficiência. Só conhecemos e entendemos isso quando convivemos com elas”, concluiu o jovem.
Mesmo com as dificuldades, a família concentra suas esperanças na conscientização por partes das faculdades. A inclusão, tão falada na teoria, ainda é um grande desafio na prática. “Enquanto meu filho aguarda, ele não para de ler. Estuda muito. É triste porque é uma pessoa que quer e não consegue. Estão destruindo um potencial. Ele é uma potência”, diz Carmen.
Fotos: Arquivo Pessoal
Fonte: G1












