A civilização humana pode estar às portas de uma das maiores transformações de sua história recente. Essa é a principal tese defendida pelo teórico de sistemas britânico Nafeez Ahmed, conhecido por previsões consideradas visionárias, como a crise financeira de 2008, o crescimento estrutural das energias renováveis e o Brexit. Em novo artigo publicado na revista científica Foresight, Ahmed sustenta que o mundo caminha para um “salto gigante”, um ponto crítico de avanço evolutivo capaz de redefinir por completo as estruturas sociais, econômicas e tecnológicas vigentes.
Esse momento, segundo o pesquisador, pode conduzir a humanidade a um cenário de “superabundância em rede”, no qual energia, recursos e tecnologias seriam distribuídos de forma mais eficiente, sustentável e descentralizada. Entretanto, esse futuro alternativo enfrenta ameaças concretas: projetos políticos centralizadores, autoritários e de extrema direita, que travam a inovação e perpetuam modelos obsoletos, como o fortalecimento dos combustíveis fósseis e a concentração de poder.
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O conceito de salto civilizatório
Avanço evolutivo em larga escala
O chamado salto civilizatório não se refere apenas a uma revolução tecnológica isolada, mas a uma mudança sistêmica profunda que envolve cultura, economia, modelos produtivos e organização política. Ahmed argumenta que estamos entrando em um momento de transição comparável a períodos históricos como a Revolução Industrial ou a invenção da agricultura.
Civilização pós-materialista
No centro dessa transformação estaria o surgimento de uma civilização pós-materialista, menos baseada na exploração excessiva de recursos naturais e mais alinhada com modelos circulares, energias limpas e produção distribuída. Trata-se de uma ruptura com o paradigma industrial clássico, que estaria se aproximando de seu limite estrutural.
Ciclo das civilizações e declínio industrial
Os quatro estágios do desenvolvimento
Segundo Ahmed, as civilizações seguem um padrão recorrente organizado em quatro fases principais:
Crescimento
Momento de expansão acelerada, impulsionado por novas tecnologias e recursos.
Estabilidade
Período de consolidação, quando os sistemas atingem equilíbrio funcional.
Declínio
Fase de esgotamento dos recursos e ineficiência crescente.
Transformação
Reorganização profunda que dá origem a um novo modelo civilizatório.
Atualmente, a civilização industrial estaria no estágio final desse ciclo, próximo do ponto de reorganização estrutural.
Evidências empíricas do colapso iminente
O pesquisador sustenta que há dados sólidos que comprovam esse processo, especialmente em setores fundamentais da produção material. Energia, transporte, alimentos e informação estariam passando por transições simultâneas que indicam uma mudança de fase sistêmica.
EROI e a crise dos combustíveis fósseis
Um dos principais indicadores citados é o declínio do Retorno sobre Investimento em Energia (EROI). Esse conceito mede quanta energia é obtida em relação à energia investida para extraí-la. Nos combustíveis fósseis, esse retorno vem caindo progressivamente, exigindo cada vez mais esforço para produzir menos energia útil, o que torna o modelo insustentável a longo prazo.
Apesar disso, políticas públicas continuam favorecendo subsídios a fontes poluentes, impulsionadas por governos autoritários e interesses econômicos conservadores, retardando a transição energética.
Superabundância em rede: promessa ou ilusão?
O potencial das energias limpas
Em contrapartida ao declínio dos fósseis, as energias renováveis apresentam crescimento acelerado do EROI, especialmente em fontes como solar e eólica. Isso indica que a humanidade possui capacidade tecnológica para migrar rumo a um sistema energético mais eficiente, barato e amplamente distribuído.
Convergência tecnológica
O estudo também aponta para uma convergência de tecnologias revolucionárias entre 2030 e 2060, incluindo:
Inteligência artificial
Internet das coisas
Biotecnologia
Agricultura regenerativa
Mobilidade elétrica
Redes energéticas inteligentes
Integradas, essas tecnologias podem ampliar drasticamente a capacidade produtiva global ao mesmo tempo em que reduzem impactos ambientais.
O risco representado pelo autoritarismo
Barreiras políticas ao progresso
Ahmed alerta que o avanço do autoritarismo representa uma ameaça concreta à concretização dessa transição positiva. Regimes centralizadores tendem a priorizar interesses de curto prazo, manutenção do poder e preservação de modelos econômicos ultrapassados.
O conflito entre inovação e controle
A superabundância em rede pressupõe descentralização, colaboração e transparência. Esses princípios entram em choque direto com projetos políticos que buscam controlar informação, recursos e decisões estratégicas, criando um ambiente que dificulta a transformação sustentável.
A velocidade do declínio como fator crítico
O perigo do colapso acelerado
Um dos pontos mais alarmantes destacados no estudo é a rapidez com que o declínio da civilização industrial está ocorrendo. Caso essa transição não seja cuidadosamente gerida, há o risco de que o colapso se sobreponha ao nascimento da nova civilização, gerando crises globais profundas, escassez e instabilidade social.
Janela de oportunidade
Apesar do cenário preocupante, Ahmed defende que ainda há uma janela de oportunidade para orientar essa mudança de forma positiva. Isso exigiria investimentos massivos em educação, ciência, tecnologia verde e novas formas de governança.
Impactos sociais e econômicos do salto civilizatório
Mercado de trabalho e novos modelos produtivos
A transformação prevista impactará diretamente as relações de trabalho. Profissões tradicionais tendem a desaparecer, enquanto novas ocupações ligadas à tecnologia, sustentabilidade e dados ganharão relevância.
Redefinição do consumo
O conceito de posse pode ser substituído por modelos de acesso compartilhado, economia colaborativa e serviços sob demanda, diminuindo a pressão sobre os recursos naturais.
O futuro entre colapso e renascimento
A análise de Nafeez Ahmed apresenta um dilema claro: ou a humanidade avança rumo a uma civilização mais consciente, integrada e sustentável, ou permanece presa a estruturas decadentes que aceleram o colapso ambiental, social e econômico. O salto civilizatório é, portanto, menos uma inevitabilidade e mais uma escolha coletiva baseada em decisões políticas, científicas e culturais.













