Pesquisas recentes em biologia evolutiva têm destacado um grupo humano singular: os Bajau, também conhecidos como “nômades do mar”. Eles vivem no Sudeste Asiático — Indonésia, Filipinas e Malásia — e passaram a chamar atenção científica ao exibirem habilidades excepcionais de mergulho livre: permanecem submersos por vários minutos e atingem profundidades que desafiam expectativas humanas. Esse fenômeno intrigou cientistas e mídia, motivando estudos sobre mutações genéticas que parecem favorecer a resistência ao mergulho. Este artigo investiga quem são os Bajau, quais adaptações biológicas os diferenciam, o que dizem os estudos científicos e qual o significado dessas descobertas para a compreensão do corpo humano.
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Quem são os Bajau
Origem e modo de vida
Os Bajau (ou Sama-Bajau) formam um conjunto de grupos étnicos austronésios que tradicionalmente vivem no mar. Muitos habitam embarcações, palafitas costeiras e residem em regiões insulares. Sua economia gira em torno da pesca, coleta submarina e modos de subsistência marítima.
Relação ancestral com o mar
O mergulho livre não é prática recente entre os Bajau: é uma atividade ancestral que faz parte de sua cultura e sobrevivência. Desde cedo, muitos membros aprendem a nadar, segurar a respiração e coletar recursos submarinos sem equipamentos sofisticados. Esse estilo de vida intensivo de imersão faz com que eles passem boa parte do dia no mar, buscando peixes, moluscos e outros recursos naturais.
A adaptação genética: o que as pesquisas revelam
O baço ampliado e sua função
Um dos achados mais notáveis é que os Bajau possuem, em média, um baço significativamente maior que o de populações vizinhas que não praticam mergulho intensivo. Esse órgão funciona como um reservatório de oxigênio: durante a imersão, ele se contrai e libera células sanguíneas oxigenadas, ajudando o corpo a lidar com a falta de oxigênio. Estudos indicam que, nas populações Bajau, o baço pode ser cerca de 50% maior comparado a grupos de referência.
Genes e mutações associados
Além do baço aumentado, há evidências de variações genéticas que favorecem essa adaptação. Um gene em destaque é o PDE10A, que parece influenciar regulação hormonal (especialmente tireoide) relacionada ao tamanho do baço em experimentos com roedores. Comparações genômicas entre Bajau e populações como os Saluan (habitantes continentais da Indonésia) revelaram cerca de 25 diferenças significativas no DNA, ligadas à capacidade de tolerância ao mergulho.
Limites e cautelas
Embora o baço ampliado e mutações como PDE10A sejam fortes pistas, os cientistas alertam que outros fatores — morfológicos, fisiológicos e de treinamento — provavelmente também contribuem. A adaptação não se resume a um único mecanismo genético. Além disso, variabilidade individual existe: nem todo membro da comunidade apresenta as mesmas habilidades ou tamanho de baço, o que sugere que a genética interage com o ambiente e o estilo de vida para moldar essas características.
Como os Bajau realizam feitos impressionantes de mergulho

Tempo submerso e profundidade
Relatos e medições indicam que os Bajau conseguem prender a respiração por até 13 minutos e atingir profundidades de cerca de 60 a 70 metros numa única descida, sem equipamento de mergulho. Esses números são extraordinários comparados ao que a maioria dos humanos consegue alcançar sem treinamento especializado.
Resposta fisiológica ao mergulho
Durante a imersão, o corpo ativa a chamada “resposta de mergulho”: redução da taxa cardíaca (bradicardia), constrição dos vasos sanguíneos periféricos e priorização do fluxo sanguíneo para órgãos vitais. Essa estratégia ajuda a economizar oxigênio. O baço entra em ação nesse momento: ao se contrair, libera glóbulos vermelhos extras na corrente sanguínea, aumentando a capacidade de transporte de oxigênio. Esse mecanismo é uma das chaves que permitem aos Bajau prolongarem a submersão.
Treino e aculturação
Embora muitas adaptações sejam genéticas, não se subestima o papel do treino intenso e do estilo de vida constante no mar. O corpo de mergulhadores experientes desenvolve tolerância à pressão, flexibilidade pulmonar e controle respiratório aprimorado. Esses elementos interagem com predisposições biológicas para gerar desempenho elevado.
Importância científica e implicações
Humanos como modelos de adaptação
Estudar os Bajau oferece uma rara oportunidade de observar a evolução humana em ação — adaptando-se ao ambiente aquático de forma significativa em tempo histórico. Eles podem representar “humanos aquáticos” em pequena escala. Descobertas sobre mecanismos de resistência à hipóxia (baixa disponibilidade de oxigênio) podem ter implicações médicas: auxiliar no tratamento de doenças pulmonares, no entendimento de resposta a hipóxia aguda e no desenvolvimento de terapias para falta de oxigênio em pacientes críticos.
Conservação cultural e ameaças
O modo de vida tradicional dos Bajau enfrenta desafios: mudanças climáticas, poluição marinha, pesca industrial e marginalização socioeconômica ameaçam sua cultura e subsistência. Se a comunidade se fragmentar ou abandonar práticas marítimas, perde-se também valioso laboratório humano de adaptação. Preservar os Bajau enquanto cultura viva também significa proteger o conhecimento biológico que eles simbolizam.
Debates, limitações e perguntas em aberto
Nível de impacto genético vs ambiental
A questão de quanto da adaptação dos Bajau é genética e quanto é resultado da prática contínua no mar permanece aberta. A plasticidade biológica (alterações induzidas pelo ambiente) pode desempenhar papel importante.
Diversidade entre comunidades Bajau
Nem todos os grupos Bajau estão localizados em idênticas condições ambientais ou culturais. A heterogeneidade entre comunidades pode levar a variações nas adaptações observadas — o que exige cuidado ao generalizar resultados.
Potencial para aplicações biomédicas
Ainda é necessário mais estudo para traduzir descobertas genéticas de populações como os Bajau em terapias médicas seguras. A extrapolação direta para outros contextos humanos deve ser feita com cautela.
Considerações finais
A trajetória dos Bajau como “super-humanos do mar” representa uma das mais fascinantes interseções entre cultura, evolução e biologia humana. Eles nos mostram que, em certos contextos extremos, o corpo humano pode adaptar-se de maneiras surpreendentes — ao ponto de permitir mergulhos prolongados e profundos sem equipamento especializado. Os resultados de pesquisas apontam para mutações genéticas, como aquelas que expandem o baço e envolvem o gene PDE10A, mas também realçam que prática, ambiente e cultura são elementos-chave nesse mosaico de adaptabilidade. Mais do que curiosidade científica, o estudo dos Bajau inspira reflexões sobre limites humanos, interações entre genoma e estilo de vida, e o cuidado para preservar comunidades que guardam, em sua biologia, segredos ainda pouco compreendidos.

