A polêmica em torno de um projeto inusitado
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, vetou integralmente o projeto de lei que criava no calendário oficial da cidade o chamado “Dia da Cegonha Reborn” — uma data comemorativa dedicada às bonecas hiper-realistas conhecidas como Reborn. A decisão foi anunciada oficialmente no Diário Oficial do Município e repercutiu de forma ampla nas redes sociais e na imprensa, gerando reações que variaram entre indignação, perplexidade e apoio ao veto.
Com a justificativa informal “não dá…”, Paes deixou claro seu desconforto com a proposta, que havia sido aprovada pela Câmara Municipal em votação simbólica. A medida visava instituir a data no dia 8 de dezembro, homenageando tanto as bonecas Reborn quanto a figura simbólica da “cegonha” que, segundo a tradição popular, “traz os bebês”.
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O que são as bonecas Reborn?
Origem e características
As bonecas Reborn são brinquedos hiper-realistas, feitas à mão, que reproduzem com incrível detalhamento bebês recém-nascidos. Elas surgiram nos anos 1990 nos Estados Unidos e se tornaram populares em diversos países, incluindo o Brasil.
Feitas em silicone ou vinil, essas bonecas podem pesar o mesmo que um bebê real, ter veias pintadas, cílios implantados e até simuladores de respiração. Algumas vêm com aquecimento corporal e batimentos cardíacos falsos, intensificando a ilusão realista.
Usos e simbolismos
Embora sejam vistas por muitos como brinquedos colecionáveis, as Reborn têm usos terapêuticos. Psicólogos relatam que elas ajudam mulheres que enfrentam luto gestacional, idosos com Alzheimer e até pacientes em depressão. Também há quem as adote por hobby ou afeto emocional, como se fossem filhos simbólicos.
A proposta de criar uma data em homenagem às Reborn surgiu exatamente para valorizar esse universo, que mistura arte, terapia e afeto.
O projeto de lei vetado
Proposta e justificativa
O projeto que instituía o “Dia da Cegonha Reborn” foi apresentado pela vereadora Rosa Fernandes (PSC), conhecida por apoiar pautas relacionadas à saúde e cultura. A justificativa oficial do projeto mencionava a importância emocional que essas bonecas representam para parte da população e a valorização do trabalho artesanal envolvido na sua produção.
A escolha da data, 8 de dezembro, coincidia com o Dia da Imaculada Conceição, criando uma simbologia dupla com a maternidade, a chegada de bebês e a representação da cegonha.
Aprovação silenciosa na Câmara
Sem grande alarde, o projeto foi aprovado em votação simbólica na Câmara Municipal. Isso significa que nenhum parlamentar presente manifestou oposição explícita durante a sessão, o que é comum em projetos considerados “de baixo impacto orçamentário ou social”.
No entanto, quando a proposta chegou à sanção do prefeito, veio a reação contrária — e com forte repercussão pública.
A justificativa do prefeito Eduardo Paes

“Não dá…”
A justificativa informal usada por Eduardo Paes, compartilhada nas redes sociais com a expressão “não dá…”, viralizou. O veto foi posteriormente detalhado por sua assessoria, que classificou a proposta como “inadequada ao interesse público”.
Segundo o parecer jurídico da prefeitura, a criação de datas comemorativas no calendário oficial da cidade deve atender a relevância sociocultural objetiva, algo que o projeto, segundo a prefeitura, não demonstrou satisfatoriamente.
Repercussão política e institucional
A decisão dividiu opiniões dentro da Câmara. Alguns vereadores defenderam o direito da Casa de legislar sobre datas simbólicas e criticaram o tom informal usado por Paes ao vetar a matéria. Outros apoiaram o veto, considerando que o projeto poderia banalizar o calendário oficial da cidade e gerar constrangimento institucional.
Reações nas redes sociais
Entre o apoio e o deboche
Internautas se dividiram. De um lado, muitos criticaram a existência da proposta, apontando para o excesso de datas comemorativas com pouco ou nenhum impacto prático. Frases como “o Rio de Janeiro precisa de políticas públicas, não de datas simbólicas para bonecas” dominaram os comentários.
De outro lado, defensores da comunidade Reborn — que inclui mães simbólicas, artesãos e colecionadores — manifestaram indignação com o veto. Para eles, o projeto reconhecia um universo muitas vezes marginalizado e oferecia visibilidade a experiências emocionais reais.
Hashtag em alta
A hashtag #CegonhaReborn chegou aos trending topics nacionais no X (antigo Twitter) na manhã seguinte ao veto. Influenciadores ligados à causa Reborn e artesãs especializadas nas bonecas publicaram vídeos emocionados criticando a decisão e exigindo respeito.
O universo Reborn no Brasil
Um nicho que cresce
O mercado Reborn no Brasil está em expansão. Estima-se que haja mais de 15 mil colecionadores ativos no país e centenas de artistas especializadas na criação das bonecas. Algumas chegam a custar até R$ 5 mil, dependendo do nível de realismo e dos materiais utilizados.
Terapia com Reborn
Hospitais, clínicas geriátricas e instituições de cuidado têm incorporado bonecas Reborn em práticas terapêuticas. Em algumas unidades de saúde, especialmente em São Paulo e Minas Gerais, elas são utilizadas em pacientes com Alzheimer, proporcionando conforto e redução da ansiedade.
O que diz a legislação sobre datas comemorativas?
Critérios de relevância
A criação de datas comemorativas é uma prerrogativa legislativa, mas deve observar critérios de relevância histórica, cultural, social ou econômica. Tribunais de contas e órgãos jurídicos têm alertado sobre o excesso de leis simbólicas com pouco impacto prático.
No caso do Rio de Janeiro, o calendário oficial já conta com mais de 400 datas comemorativas, o que dificulta a gestão e dilui a visibilidade de causas mais amplamente reconhecidas.
Precedentes semelhantes
Casos parecidos já ocorreram em outras cidades brasileiras. Projetos como o “Dia do Orgulho Gamer”, “Dia do Amante de Gatos” e até o “Dia do Bacon” foram aprovados em câmaras municipais, mas vetados por prefeitos por falta de “interesse público relevante”.
Próximos passos: a Câmara pode derrubar o veto?
Votação de veto
Com o veto do Executivo, cabe agora à Câmara decidir se mantém ou derruba a decisão do prefeito. Para isso, será necessária uma nova votação em plenário com maioria absoluta. Caso o veto seja derrubado, o projeto vira lei automaticamente.
Clima político
Até o momento, não há mobilização expressiva para derrubar o veto, mas a repercussão nas redes pode influenciar o posicionamento dos parlamentares. Grupos de apoio à causa Reborn devem pressionar os vereadores nos próximos dias.
Considerações finais: além da polêmica, o debate sobre representatividade
O veto ao “Dia da Cegonha Reborn” revela mais do que uma simples divergência sobre o mérito de uma data comemorativa. Ele expõe a complexidade do debate público em tempos de redes sociais, onde causas simbólicas ganham protagonismo e viralização rápida.
Ao mesmo tempo, coloca em evidência a necessidade de equilíbrio entre respeito a comunidades específicas e a responsabilidade legislativa na escolha do que merece reconhecimento oficial.
Enquanto o projeto aguarda nova deliberação na Câmara, o caso continua a gerar reflexões: sobre afeto, política, saúde mental, representatividade e o limite entre o que é relevante e o que é apenas peculiar.


