Muitas vezes, nós temos o (mal) hábito de reclamar das nossas mães. Achamos elas mandonas, bravas, às vezes frias e inflexíveis, mas nunca paramos para pensar o porquê de haver momentos em que elas precisam ser assim e nos resumimos às reclamações. E aliás, falando em parar para pensar, quem de vocês já parou para ouvir, para conhecer a história de sua mãe? Vocês sabem quem elas foram antes de serem mães? Isso pode responder muitas das perguntas que você joga ao ar.
Em 1974, numa cidadezinha do interior de São Paulo, nascia Isabel*. Diziam que sua mãe – que já tivera outros dois filhos – podia ser definida como a mulher mais bela e desejada da pacata cidade. Era muita sorte ser fruto de seu ventre. E a família que a esperava, apesar de simples e humilde, era harmoniosa.
Contudo, no momento do parto, os ventos sopraram fora de sincronia. Isabel nasceu saudável, mas algo estava errado com a sua mãe. O sangramento era muito intenso. E todo o esforço dos médicos para salvá-la foi em vão. O mundo terreno dava as boas-vindas a uma nova vida, enquanto o Céu acolhia uma nova alma.
E o acontecimento mexeu fortemente com a família. O que antes era um cenário amistoso não demorou para tomar proporções caóticas. De repente, aquela bebê tão pequena, frágil e inocente se tornou “culpada de uma barbárie”. A morte de sua mãe era atribuída à ela. Os irmãos não a perdoaram, tampouco seus tios. E seus avós, estes já haviam partido.
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Foto: O Tempo Determinado / Reprodução
Quanto ao pai, ah, este se entregou. Se antes o álcool nunca encontrara sua boca, agora era nele que ele encontrava seu refúgio. O homem que caminhava pelas ruas sóbrio e sob o esplendor da mais profunda calma se tornou um sujeito violento e escravo da embriaguez. Até que seu coração parou de bater quando Isabel completou 5 anos.
O que tardou a acontecer de sua morte em diante foi um pesadelo que Isabel enfrentava acordada. A menina era maltratada, ignorada, deixada de lado por sua família que o “acolheu” após ela se tornar órfã. O passar do tempo não tocou os corações marcados por uma raiva infundada.
A menina passou anos percorrendo a estrada de pedras. Um caminho que a fez cruzar a linha tênue entre a inocência e a frieza. Tão nova, ela já havia passado por muita coisa, até chegar ao seu limite. Com 10 anos, sem hesitar, a garotinha de olhar frágil mas de personalidade que se construía forte pegou um ônibus sozinha e veio para São Paulo. Havia família aqui.
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Foto: Ello / Reprodução
Não me pergunte como deixaram uma criança de 10 anos entrar sozinha em um ônibus que cruzaria centenas de quilômetros de um estado. Só o fizeram. E chegando à capital, ela encontrou a família que procurava. Mas aqui, só o que mudou foi o local. A sorte ainda não havia sorrido para Isabel, que morando com uma tia, ainda era maltratada. E pensar que essa tia pediu para que ela viesse…
O fato é que a menina não havia vindo de tão longe para encarar o mesmo desaforo. Novamente, ela fugiu e da mesma forma seu caminho se cruzou com um familiar. Na casa de um outro tio em São Paulo, era difícil descrever o que aconteceria. Pai de um menino, ele havia acabado de perder a mulher. Estava deprimido, cabisbaixo, realmente mal. E a bebida o acompanhava. Seria uma história repetidamente contada? Tinha tudo para ser, mas não foi.
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Foto: Reprodução
O tio era Oswaldo*, e passados só alguns meses ou nem isso, ele não era mais chamado de tio. Era chamado de pai. Por destino ou coincidência, Isabel se tornou a cura do homem cuja alma se devastava e de seu filho. O primo virou irmão. Finalmente, Isabel encontrou o amor. Tarde, mas não demais.
Sob um teto de acolhimento e ternura, Isabel cresceu. Por trás de sua frieza nasceram sorrisos. Ela tinha um pai, ela tinha um irmão, ela tinha amigos. A família do interior sequer sentiu a sua falta, mas quem se importava com eles a essa altura?
E com o passar do tempo, bom, Isabel se casou, teve filhos e segue a sua vida. Inclusive, certo dia ela ouviu do filho: “Não sei por que você é assim”. Certamente, ele é mais um dos tantos filhos que nunca ouviu a história de sua mãe.
* As identidades verdadeiras foram protegidas a pedido dos personagens da história


Foto: O Tempo Determinado / Reprodução
Foto: Ello / Reprodução
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