O nome “O Eternauta” e sua carga simbólica
Lançada pela Netflix, a série “O Eternauta” vem chamando a atenção não apenas pela trama de ficção científica, mas também pelo seu título enigmático. O que está por trás dessa escolha de nome? A palavra eternauta tem origem pouco comum e foi criada justamente para dar sentido à jornada de um personagem que atravessa tempo, espaço e realidades – tanto físicas quanto emocionais.
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Um neologismo que carrega múltiplos sentidos
O termo “eternauta” é a combinação de dois elementos: o radical “eterno” e o sufixo “nauta”, que vem do grego nautēs e significa navegador. É a mesma raiz de palavras como “astronauta” ou “cosmonauta”. Portanto, “eternauta” pode ser entendido como alguém que navega pela eternidade, alguém em constante travessia pelo tempo e pelas experiências humanas.
Essa ideia resume perfeitamente o espírito do protagonista Juan Salvo, que enfrenta uma catástrofe global e se vê em um ciclo permanente de fuga, perda e reconstrução.
A jornada de Juan Salvo e a metáfora do tempo
O personagem central da série, Juan Salvo, é um homem comum que se transforma em herói após o surgimento de uma nevasca mortal em Buenos Aires. A trama se desenrola com elementos clássicos da ficção científica, como invasões alienígenas, colapsos sociais e resistência civil. Mas há um fator mais profundo: Salvo também viaja no tempo, física ou emocionalmente, ao revisitar memórias e reviver traumas passados.
O nome Eternauta passa a representar não só essa capacidade de transitar por diferentes tempos, mas também o sofrimento de carregar experiências dolorosas que não desaparecem, mesmo com o passar dos anos.
A origem da obra nos quadrinhos argentinos
A série é inspirada na HQ “El Eternauta”, publicada pela primeira vez em 1957 na Argentina, escrita por Héctor Germán Oesterheld e ilustrada por Francisco Solano López. A história original já trazia essa ideia de deslocamento temporal e enfrentamento coletivo diante de uma ameaça global. Juan Salvo era um símbolo do cidadão comum forçado a agir em situações extremas.
Com o tempo, o personagem se tornou um ícone da cultura argentina, sobretudo por ter sido criado em um período de crescente tensão política no país. Seu nome passou a representar também a luta por liberdade, memória e justiça.
A transformação do nome em símbolo político
Após a publicação da primeira versão, Oesterheld reescreveu a história em uma sequência publicada no final dos anos 1960, já com um tom político mais explícito. O autor se engajou em movimentos de resistência e acabou sendo sequestrado e morto pela ditadura militar argentina na década de 1970.
Nesse contexto, o nome “O Eternauta” adquiriu uma nova camada de significado. Deixou de ser apenas uma referência à ficção científica e passou a simbolizar a figura do resistente, aquele que, mesmo diante da repressão, segue lutando pela memória e pela justiça. Juan Salvo se tornou o reflexo de milhares de desaparecidos políticos na América Latina.
Como o nome ressoa na adaptação da Netflix

Na adaptação atual da Netflix, lançada em 2024, o personagem Juan Salvo ganha ainda mais profundidade. Ele é retratado como um ex-combatente da Guerra das Malvinas, o que acrescenta uma carga emocional e histórica ao seu passado. A série usa esse pano de fundo para intensificar o papel de Salvo como alguém que carrega as marcas do tempo, da guerra e da perda.
O nome da série, mantido fiel ao original, reforça o simbolismo do protagonista. Ele é o viajante de uma história que não se limita à ficção. Ao contrário, ela se entrelaça com a realidade, com a história da Argentina e com os traumas de uma geração inteira.
O impacto do nome na percepção do público
Nomear uma série com uma palavra inédita e carregada de sentidos tem efeitos importantes na maneira como o público interpreta a obra. O termo “Eternauta” desperta curiosidade e estranhamento, mas também entrega, desde o início, uma pista sobre o enredo: trata-se de uma narrativa que lida com o tempo, com a persistência e com a resistência diante de forças avassaladoras.
A escolha de não traduzir ou adaptar o título para algo mais simples ou genérico foi uma decisão consciente dos criadores da série, que buscavam preservar a identidade original da obra e sua importância na memória cultural argentina.
A ligação entre o tempo e a memória
Ao longo da série, a ideia de navegação pela eternidade aparece em diversos momentos. Juan Salvo revive lembranças do passado, reconstrói fragmentos de sua história e lida com a dor da perda de sua família. Essa travessia mental é uma forma de viagem no tempo, onde passado e presente se misturam e influenciam suas decisões.
Essa abordagem amplia o significado do termo Eternauta. Ele não é apenas alguém que se desloca fisicamente, mas também alguém que permanece preso a lembranças, que se recusa a esquecer, que insiste em lembrar — mesmo quando recordar é doloroso.
O poder simbólico da palavra
O uso da palavra “eternauta” vai além da gramática. Ele cumpre a função de símbolo. Um símbolo da condição humana diante de tragédias, da coragem de resistir, da luta contra o esquecimento. O nome é um lembrete de que há histórias que merecem ser contadas e recontadas, atravessando décadas e fronteiras.
Por isso, o título não se limita a nomear a série. Ele a define em essência, sintetizando seu tema principal: o eterno retorno à memória, à dor e à esperança.
Relevância cultural e política da escolha
Na Argentina, o nome “O Eternauta” se tornou um emblema de resistência. Durante protestos contra o esquecimento dos crimes da ditadura, cartazes com a imagem de Juan Salvo eram levados às ruas como sinal de que a memória histórica não seria apagada. A figura do personagem ultrapassou os quadrinhos e se transformou em linguagem de militância.
A Netflix, ao produzir uma série com esse nome, assume também a responsabilidade de dialogar com essa carga simbólica. A escolha do nome funciona como um convite para revisitar não apenas uma história de ficção, mas também capítulos dolorosos da história real de um país.
Considerações finais
O nome “O Eternauta” é, por si só, uma narrativa. Ele condensa em poucas sílabas a ideia de travessia eterna, de memória persistente, de resistência contínua. Mais do que um título, é um símbolo. A série da Netflix resgata esse significado, dando vida a um personagem que encarna tanto o herói ficcional quanto o ser humano comum que enfrenta perdas, traumas e transformações.
Com esse nome, a obra homenageia o passado, questiona o presente e projeta no futuro a importância de lembrar, resistir e seguir em frente — como um verdadeiro viajante da eternidade.
