O drama de mães humilhadas nas maternidades após perderem seus bebês: “Vai incinerar com o lixo”
Para quem não sente na pele, é impossível imaginar o quão intensa é a dor de uma mãe ao perder o seu filho. Pense no quanto é difícil enfrentar todo um período da gravidez e ver o momento tão sonhado se tornar um triste e real pesadelo. E tão doloroso quanto isso é o desrespeito que muitas dessas mulheres enfrentam. E o pior, dentro dos hospitais.
No quinto mês de sua gestação, Larissa Rocha, psicóloga e uma das fundadoras do projeto Do Luto à Luta: Apoio à Perda Gestacional e Neonatal, sofreu um verdadeiro drama ao perder o seu filho. O ocorrido se deu em consequência de uma condição chamada gestação molar, na qual um tumor se desenvolve no útero.
E não sendo o suficiente ter que lidar com o momento complicado, a maternidade – privada – na qual estava internada no Rio de Janeiro fez todo o possível para deixar a experiência ainda pior: “Do meu quarto, logo após a curetagem, ouvia bebês chorarem. Funcionários entravam e me perguntavam do meu filho. Ganhei kit maternidade, um brinde distribuído em algumas maternidades particulares”, diz Larissa, mãe dos pequenos Tomás, de 4 anos, e Mila, de apenas 1.
Motivada pelo o que passou, a psicóloga atua pelo “Do Luto à Luta”, um projeto cuja principal reivindicação é a de um tratamento mais humanizado e que siga mais à risca as orientações dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “O uso de uma pulseira diferente pela mãe que perdeu o filho já evitaria que ela fosse alvo de perguntas indelicadas. Se não é viável ter uma ala só para o atendimento delas na maternidade, elas poderiam, pelo menos, serem colocadas afastadas das mães com seus filhos nos braços”, desabafa Larissa.
E assim como a psicóloga, outras gestantes já enfrentaram experiências terríveis dentro de centros médicos – tanto públicos quanto particulares. Ao portal UOL, outras mulheres que já passaram por isso protagonizaram relatos marcantes e que mostram o quanto muitos profissionais da saúde estão despreparados no Brasil.
“Se pesar mais de 500 gramas tem de fazer funeral, se não, vai incinerar com o lixo hospitalar”
“Era noite e cismei que o Felipe não estava mexendo. Estava com cinco para seis meses de gestação. Na manhã seguinte, eu e meu marido fomos para o hospital público mais perto da minha casa. Estava fazendo o pré-natal pelo SUS. O médico tentou ouvir o coração do bebê, e nada. Fiz um ultrassom, que constatou que o Felipe estava morto. O médico virou para mim e falou: ‘Você fez alguma coisa para isso acontecer?’ Insinuando que eu tinha provocado um aborto.
Fui até o lado de fora do hospital dar a notícia para o meu marido, porque não tinham deixado ele ficar lá dentro comigo. entamos os dois na calçada e choramos. Quando entrei, tive de tomar um remédio para expulsar o bebê. Fiquei 24 horas em trabalho de parto, vendo outras mães tendo seus filhos saudáveis. Morrendo de dor, a cada vez que ia ser examinada para conferir a dilatação, ouvia das enfermeiras: ‘Foi você que perdeu o bebê, não é?’.
Na hora em que finalmente ele nasceu, a que estava comigo falou sem rodeios. Se pesar mais de 500 g tem de fazer funeral, se não, vai incinerar com o lixo hospitalar’. Disse isso e colocou ele e a placenta em uma bacia de alumínio e levou. Sei que o luto era meu, mas não teve respeito”. Kátia Gonçalves Moreira, 38, mãe de Fernanda, 17, e Mariana, 10.
“Quando cheguei, ele já tinha morrido. Voltei para o mesmo quarto, na ala da maternidade. Foi uma noite de terror, ouvindo todos os bebês chorando nos quartos vizinhos”
“Estava com 33 semanas de gestação do Pedro quando fui para o Rio de Janeiro. Lá peguei uma gripe forte. De volta a São Paulo, fui fazer uma ultrassonografia de rotina, e o médico demorou mais do que o habitual. Notei a cara de preocupado. No exame, foi constatado que o bebê tinha arritmia cardíaca disfuncional no ventrículo direito. Depois descobri que o vírus da gripe havia afetado o coração dele. Saí de lá para procurar um especialista em cardiologia fetal. Tentou-se corrigir o problema por meio de medicamentos, mas não foi possível.
Quando cheguei na maternidade [privada e de alto padrão], sabia que a situação era grave. Ele nasceu e nem pude vê-lo. Foi direto para a UTI neonatal. Já no quarto, sem notícias do estado do meu filho, tocou o telefone. Eu atendi e a pessoa do outro lado disse: ‘Fala para o pai do Pedro descer, que o estado dele é grave’.
Fiquei desesperada e implorei por uma cadeira de rodas para ir até ele. Quando cheguei, ele já tinha morrido. Voltei para o mesmo quarto, na ala da maternidade. Foi uma noite de terror, ouvindo todos os bebês chorando nos quartos vizinhos. No dia seguinte, ainda teve uma enfermeira que entrou perguntando onde estava o Pedro.” Veridiana Pires Fraga, 38, mãe de Valentina, 7, e Henrique, 9 meses.
Foto de capa: Getty Images

