Durante décadas, a maternidade foi retratada como a realização máxima da mulher. Cenas de bebês sorrindo, mães plenas e famílias perfeitas alimentaram o imaginário popular por meio de novelas, comerciais, redes sociais e discursos sociais. Mas a maternidade real, vivida na rotina, é frequentemente bem diferente da imagem idealizada.
Romantizar a maternidade é ignorar a complexidade, o esforço físico e mental e, principalmente, o impacto que ela tem sobre a identidade da mulher. Neste artigo, vamos explorar por que essa romantização é prejudicial, quais são os impactos para as mães, e como a sociedade pode (e precisa) mudar esse olhar.
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O mito da maternidade ideal
Onde nasce a romantização?
A idealização da maternidade começa cedo, muitas vezes ainda na infância, com bonecas, frases como “quando você for mãe, vai entender” e a ideia de que ser mãe é “instintivo”. Filmes, livros e redes sociais reforçam essa narrativa, mostrando mães sempre felizes, realizadas e dispostas, mesmo após noites mal dormidas e uma rotina sobrecarregada.
O papel da mídia e da cultura
A mídia tradicional e digital tem papel central nesse processo. As redes sociais, em especial, tornaram-se vitrines de uma maternidade “instagramável”, com fotos de bebês impecáveis, quartos decorados e mães que parecem ter controle total da situação. Essa estética vende a maternidade como um período mágico — e apenas isso.
No entanto, essa imagem editada da realidade pode gerar angústia em muitas mulheres que não se reconhecem nesse modelo e que sentem culpa por não se sentirem felizes o tempo todo com a maternidade.
A realidade da maternidade no dia a dia

Carga física e mental invisível
Ser mãe envolve noites mal dormidas, amamentação exaustiva, mudanças no corpo, queda de produtividade, abandono de planos pessoais e, muitas vezes, solidão. Tudo isso costuma ocorrer com pouco ou nenhum suporte familiar e social.
A sobrecarga materna
Além do cuidado com os filhos, muitas mulheres acumulam trabalho remunerado e responsabilidades domésticas. A chamada “dupla jornada” (ou tripla, quando somada à carga emocional) é uma das principais causas de adoecimento mental entre mães no Brasil.
Impactos na saúde mental
A romantização da maternidade dificulta que mães busquem ajuda quando enfrentam dificuldades emocionais, como ansiedade, depressão pós-parto e burnout materno. Elas se sentem culpadas por não estarem “felizes” o tempo todo, como manda o estereótipo.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão pós-parto atinge cerca de 25% das mulheres brasileiras — um dado alarmante que contrasta com a imagem de perfeição propagada sobre a maternidade.
O apagamento da mulher
Outra realidade dolorosa para muitas mães é a perda de identidade individual. A mulher passa a ser vista apenas como “a mãe de”, muitas vezes deixando de lado seus desejos, sua carreira, sua vida social. O mundo cobra que ela se anule em nome do cuidado com os filhos — e a sociedade a exalta quando isso acontece.
Maternidade real: o direito de dizer “não é fácil”
Quebrando o silêncio
Falar sobre os desafios da maternidade ainda é tabu. Quando uma mãe desabafa, é comum ouvir respostas como “mas pelo menos seu filho tem saúde” ou “mãe é assim mesmo, faz parte”. Esse silenciamento reforça a ideia de que reclamar é sinal de fraqueza ou ingratidão.
O valor do acolhimento e da escuta
É urgente validar os sentimentos das mães. Elas têm o direito de sentir cansaço, medo, raiva, tristeza — sem que isso signifique que não amam seus filhos. O acolhimento, tanto familiar quanto institucional, é fundamental para que essas mulheres não enfrentem a jornada materna sozinhas.
Pressão social e culpa materna
A cobrança para ser perfeita
A maternidade vem acompanhada de uma pressão quase insuportável: ser boa mãe, boa profissional, boa esposa, boa filha. Uma falha em qualquer um desses papéis gera culpa. A sociedade não cobra o mesmo dos pais, que muitas vezes são vistos como “heróis” apenas por participarem minimamente dos cuidados com os filhos.
A culpabilização da mãe
Quando uma criança adoece, tem dificuldades escolares ou problemas comportamentais, a primeira a ser responsabilizada geralmente é a mãe. Essa responsabilização reforça a ideia de que ela deve dar conta de tudo — mesmo que o pai, o Estado e a rede de apoio estejam ausentes.
Por que é preciso parar de romantizar a maternidade?
Invisibiliza as dificuldades reais
Ao vender a maternidade como um estado de plenitude e amor incondicional, a romantização invisibiliza os desafios reais enfrentados pelas mães. Isso impede avanços em políticas públicas, como licença maternidade ampliada, creches acessíveis, atendimento psicológico e flexibilização do trabalho para mães solo.
Adoece mulheres
A expectativa irreal de que a maternidade será perfeita pode gerar frustrações profundas, adoecendo mulheres emocionalmente e fisicamente. Sem espaço para expressar suas dores, muitas mães adoecem em silêncio.
Reforça desigualdades de gênero
A romantização perpetua a ideia de que cuidar dos filhos é papel natural e exclusivo da mulher. Isso desobriga os homens da responsabilidade afetiva e prática, além de dificultar a construção de uma parentalidade mais equitativa.
Caminhos para uma maternidade mais justa e real
Valorizar a maternidade com empatia, não idealização
Reconhecer que ser mãe é um trabalho exigente e complexo é o primeiro passo para romper com o mito da maternidade perfeita. Empatia e escuta ativa devem substituir julgamentos e frases prontas.
Construir uma rede de apoio
Família, amigos, vizinhos e comunidade podem fazer parte da rede de apoio. Cuidar de quem cuida é essencial. Perguntar como a mãe está, oferecer ajuda com tarefas simples e garantir espaços de escuta são atitudes que fazem diferença.
Dividir responsabilidades
A parentalidade deve ser compartilhada. Homens precisam ser incluídos nos cuidados com os filhos desde o início — não como “ajudantes”, mas como corresponsáveis.
Promover políticas públicas de apoio
Licença maternidade e paternidade adequadas, incentivo à amamentação, acesso à creche e apoio psicológico são medidas fundamentais para tornar a experiência da maternidade mais saudável e menos solitária.
Considerações finais
Romantizar a maternidade é apagar a mulher que existe por trás do papel de mãe. É negar as dores, os desafios, os sacrifícios e as renúncias que fazem parte dessa jornada. A expectativa de perfeição imposta às mães precisa ser substituída por empatia, compreensão e, acima de tudo, apoio real.
A maternidade não precisa ser perfeita. Precisa ser possível — com rede, com direitos, com escuta. Só assim será possível construir uma sociedade mais justa com quem carrega não só filhos nos braços, mas o peso de um ideal impossível de alcançar.













