Por causa de “transtorno delirante”, padrasto fez a vida dessa mulher se tornar uma mentira
Tudo aconteceu nos anos 70′ no Canadá, onde Pauline Dakin e seu irmão viviam com seu pai, Warren, e sua mãe, Ruth.
As coisas começaram a ficar estranhas quando ela tinha apenas cinco anos. Pauline se lembra de comentar com o seu irmão sobre como tudo era diferente na vida deles, e em certo ponto ficou ainda mais peculiar.
Aos 7 anos da garota, seus pais anunciaram a separação. A justificativa era que Warren era muito violento e tinha problemas com bebidas.
Logo depois da separação, a menina percebeu que um pastor evangélico chamado, Stan Sears, estava cada vez mais próximo da sua família. Os Dakin moravam em Vancouver, até que um dia, sem nenhum aviso prévio, a mãe decidiu que eles deveriam se mudar.

A decisão foi repentina e Pauline e seu irmão ficaram assustados. “Não conseguimos dizer adeus para as pessoas em Vancouver. Foi um rompimento abrupto dos relacionamentos”, relembra.
Para o desespero dos dois irmãos, essa atitude começou a acontecer constantemente na vida deles. Aos 11 anos de idade as crianças já tinham frequentados cerca de 6 escolas diferentes e morado em diversas cidades.
Sempre que pediam uma explicação para mãe, recebiam a mesma resposta: “Ela só dizia: ‘Sinto muito, não posso te dizer. Quando você for mais velha eu conto’.”, explica Pauline.
Cada vez mais estranho
As mudanças da família ficavam cada dia mais esquisitas. Pauline conta que uma vez a mãe os levou para passar dois dias em Winnipeg, a mais de 1.600 km de Vancouver e, chegando lá, Ruth disse aos filhos que não voltariam mais para a antiga casa.
“Eu sabia que algo ruim estava acontecendo. Não sabia o que era, mas sempre senti que havia algo terrível que não estava sendo dito”, afirma.

Conforme foi amadurecendo, a pequena percebeu que Stan sempre estava presente na vida dos Dakin’s, mesmo com toda a locomoção.
“O que eu sabia era que independentemente do que estivesse acontecendo, Stan também estava envolvido”, diz Pauline.
Em 1988, a família finalmente fincou suas raízes em um lugar, e se estabilizaram em New Brunswick. Foi lá que Pauline cresceu e se formou na faculdade de jornalismo.

Quando já estava com 23 anos e trabalhando em um jornal local, Pauline finalmente recebeu uma ligação de sua mãe. Ruth disse que a filha já estava com idade o suficiente para saber a razão por trás de tanta loucura durante a sua juventude.
A Revelação
O encontro de mãe e filha não poderia ter sido mais estranho. As primeiras palavras de Ruth para Pauline, foram: Coloque suas jóias dentro deste envelope e depois entre.
“Foi muito esquisito. Eu pensei: Quem é você? O que está fazendo? Mas fiz o que ela me pediu”, diz a mulher.
A reunião foi feita em um motel localizado em uma parte deserta da cidade, e Stan estava no quarto esperando as duas aparecerem.
Quando ela entrou no local, Stan e Ruth começaram a explicar o por quê de tudo ter ficado tão estranho nos últimos anos.

Segundo eles, Warren, pai das duas crianças, havia se metido com a máfia e o crime organizado. Por causa disso, sua mãe teve que se mudar diversas vezes, pois os bandidos queriam exterminar a família do patriarca.
O motivo de Ruth ter pedido para que ela tirasse as jóias, era para garantir que Pauline não estivesse com escutas, o que poderia comprometer a segurança de todos.
Stan disse ter sido amigo de Warren, e que o pai de Pauline tinha sido assassinado pela máfia após tentar sair do mundo do crime.
De acordo com Stan, ele também corria risco de vida, pois sabia sobre coisas demais e se envolveu com a ex-mulher de Warren, Ruth.
“Eles me disseram que cada um de nós tinha alguém nos seguindo e nos vigiando à distância. E que tentaram me sequestrar, me envenenar ou me matar muitas vezes, mas essas pessoas intervieram para me manter em segurança ao longo dos anos”, conta Pauline.
“Mundo Estranho”
Stan explicou que o único lugar seguro para eles viverem seria um local chamado “Mundo Estranho”, onde todas as pessoas perseguidas por esse tipo de organização encontram refúgio e proteção.
Foi então que os dois propuseram para Pauline uma fuga para esse lugar.”Eu fiquei doente de medo e de tristeza, sentia que a vida estava se despedaçando ao meu redor”, lembra.
Ela passou as horas seguintes ouvindo todos os tipos de histórias de máfia e crime organizado. Descobriu também, que Ruth e Stan estavam apaixonados há anos e não podiam fazer nada a respeito.
Infância
Conforme ela escutava sobre os acontecimentos da sua infância, um quebra-cabeças ia se encaixando em sua mente. Pauline se lembro de uma vez que viu Ruth jogando todos os alimentos da geladeira fora. Segundo Stan, isso foi por causa de uma possível tentativa de envenenamento contra a família.
Também voltou a sua memória duas noites em que passaram acampando nas montanhas, em plena época de escola. O pastor evangélico disse que isso aconteceu porque ele tinha recebido informações de que havia pessoas atrás deles.
“Mesmo que soasse absurdo, as explicações faziam com que esses eventos esquisitos se encaixassem em uma narrativa de que éramos perseguidos”, explica Pauline.
Perseguição
Ao se despedir da enteada, Stan deu um rádio para a jovem e perguntou se poderia colocar um rastreador em seu carro, para que os os “homens do bem”pudessem encontrá-la.
“Ele me disse: ‘Use só se a sua vida estiver mesmo em perigo, porque as pessoas vão arriscar as vidas delas por você’.”
Isso fez com que ela desenvolvesse uma espécie de mania de perseguição, e ficasse paranóica com pequenos detalhes da sua rotina.
As histórias de Ruth e Warren ficavam cada vez mais arrepiantes, e eles chegavam a dizer que muitas das pessoas que conviviam com Pauline não eram quem diziam ser.
Os dois acreditavam que alguns de seus familiares tinha sido assassinatos e substituídos por clones espiões. “Às vezes o dublê era posto pelos ‘bonzinhos’ e outras vezes pelos ‘maus’. Então nunca se sabia 100% quem era”, dizia o pastor.

No dia do casamento de seu irmão, Pauline teve um diálogo bizarro com a sua mãe, que acreditava que umas das tias de Pauline era uma dublê.”Ela ficava dizendo: ‘Olhe os dedos do pé dela, são exatamente os mesmos de Penny. Como é que se faz os dedos de alguém ficarem assim?’.”
Apesar das diversas dúvidas que essas histórias deixaram na cabeça da jovem, ela não teve outra alternativa a não ser acreditar em sua mãe. “Se não pudesse confiar neles, em quem confiaria?”, diz.
A garota ficou tão paranóica que decidiu abandonar toda a sua carreira, namorado e sua rotina, para viver com os dois em um lugar isolado. A intenção era esperar para que a máfia “do bem” os liberassem para irem para o “mundo estranho”.
“Nos disseram (através de Stan) que a máfia desconfiava o que estávamos planejando e estava nos ameaçando. Ficávamos sempre à espera”, lembra Pauline.
Mas essa espera demorou tanto, que Pauline começou a perder a esperança.
Descoberta
Durante esse tempo, ela até mesmo conheceu Kevin, o jovem com quem ela se casou e teve duas filhas. Na época, ele topou ir morar com ela no “mundo estranho”.
Em 1993, depois de passar 5 longos anos escutando as desculpas de seu padrasto, Pauline finalmente decidiu testar se essa teoria toda tinha alguma veridicidade.
“Liguei para eles e disse: ‘Alguém entrou na minha casa. O que eu faço?'”. Sua mãe respondeu: “Vou perguntar a um amigo nosso e ligo de volta”.
Ruth retornou a ligação e disse que as duas teriam que se encontrar, pois não poderia falar ao telefone. Stan tinha aconselhado as duas a nunca irem à polícia, pois eles não eram de confiança.
No encontro, Stan e Ruth disseram a ela que as pessoas que invadiram sua casa tinham sido presas com fotos de Pauline em suas mãos. E que buscavam por coisas específicas em sua casa.
“Quando ela disse isso, eu percebi que era tudo falso. Porque ninguém tinha entrado na minha casa, eu inventei. Nesse momento, eu soube que todas as histórias, as mudanças, os dublês, era tudo mentira”, relembra.
De volta a vida
Ruth Dakin estava tão convencida com toda essa história, que ao ser colocada contra a parede pela filha, ela não se importou com o fato dela não acreditar mais nas histórias, e sim com o fato de que ela poderia estar exposta a perigos depois da descrença.
Pauline então decidiu voltar ao seu emprego, namorado e entrou em contato com o pai, que estava doente e tinha voltado a beber.
A relação com a sua mãe nunca mais foi a mesma mas, segundo ela, ter tido duas filhas a ajudou a ver as coisas por outra perspectiva. “Quando você tem filhos as coisas mudam, eles se tornam o foco do seu amor”, diz.

Depois do falecimento de Stan, as cartas da “máfia do bem”, as ameaças e as mensagens cifradas de supostos colaboradores deixaram de aparecer. Mas nem isso foi o suficiente para que Ruth deixasse de acreditar no seu amado. Ela faleceu em 2010.

Transtorno
Anos depois, Pauline encontrou uma possível explicação para toda essa confusão de sua vida em um artigo médico sobre uma doença mental conhecida, como: transtorno delirante.
“Quando li o artigo, pensei: ‘Isso descreve Stan perfeitamente. Alguém que parece normal e é competente no trabalho, mas tem ideias malucas sobre certas coisas’.”
Ela entrou em contato com o autor do artigo, um psiquiatra de Harvard, que confirmou que Stan tinha todas as características de uma pessoa com o transtorno delirante.

“Tive muita pena de minha mãe. Ela teve uma vida difícil e era vulnerável a Stan, por que ele era uma pessoa gentil e carinhosa. Mas também lamentei por mim e por meu irmão. Éramos apenas duas crianças pequenas cujas vidas foram roubadas”, diz.
Hoje Pauline é professora-assistente da Escola de Jornalismo da universidade canadense King’s College, e transformou sua infância em um livro, chamado Run, Hide, Repeat: A memoir of a fugitive childhood.












