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Melanismo: o que é, como surge e por que alguns animais ficam totalmente pretos

melanismo

Um fenômeno genético que a natureza usa há milhões de anos

O melanismo é um padrão de coloração escura — às vezes totalmente preta — causado pelo aumento da produção ou da deposição de eumelanina, um dos principais pigmentos biológicos. Não é doença nem “anomalia misteriosa”: trata-se de variação natural, muitas vezes adaptativa, que pode trazer vantagens de camuflagem, termorregulação, resistência a patógenos e até sucesso reprodutivo. Onças-pretas, leopardos-negros, cobras, aves e insetos são alguns dos exemplos mais conhecidos, mas o fenômeno aparece em praticamente todos os grandes grupos de vertebrados e em diversos invertebrados.

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O que o melanismo é — e o que não é

Diferença para albinismo e leucismo

  • Albinismo: defeito na produção de toda melanina (eumelanina + feomelanina). Animais albinos têm pele muito clara, olhos avermelhados e alta sensibilidade à luz.
  • Leucismo: falha de distribuição dos melanócitos (as células que produzem pigmento). Produz manchas claras ou brancas, mas os olhos costumam manter cor normal.
  • Melanismo: excesso de eumelanina. O animal escurece como um todo ou em grandes áreas, mantendo olhos e mucosas normais. Em felinos melanísticos, as rosetas ainda existem e podem ser vistas sob certas luzes.

Melanismo é espécie nova?

Não. Onça-preta e leopardo-negro não são espécies distintas: são morfos de cor da onça-pintada (Panthera onca) e do leopardo (Panthera pardus). A genética é a mesma; muda a expressão de genes ligados ao pigmento.

Como a genética “liga” o botão do preto

O papel dos principais genes (em linguagem direta)

  • MC1R (receptor de melanocortina 1): funciona como um “interruptor” na célula. Quando ativo, favorece a produção de eumelanina (tons escuros). Certas variantes deixam o receptor sempre “ligado”, resultando em melanismo.
  • ASIP (proteína agouti): é o “freio” natural do MC1R. Mutação que reduz o freio permite mais eumelanina, escurecendo a pelagem.
  • CBD103 (locus K, uma beta-defensina): além de funções imunes, influencia a cor. Em cães e lobos, a forma “K” preta pode dominar outras combinações e está associada a vantagens em ambientes florestais.

Em felinos grandes

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Imagem: Reprodução
  • Onça-pintada: o melanismo costuma ser dominante (basta uma cópia do alelo para o indivíduo nascer escuro), frequentemente relacionado a variantes do MC1R.
  • Leopardo: o melanismo é em geral recessivo (precisa de duas cópias), comumente associado a alterações no ASIP.
    Resultado prático: é mais “fácil” produzir ninhadas melanísticas em onças do que em leopardos.

Como herdar a cor

Se a mutação é dominante, um dos pais melanístico já pode transmitir a pelagem escura a parte da prole. Se é recessiva, dois portadores “normais” podem ter filhotes escuros. Por isso populações podem manter, por décadas, o “gene do preto” sem que ele apareça em todos os nascimentos.

Por que o melanismo pode ser vantajoso

Camuflagem e caça

Ambientes sombreados — florestas densas, matas de galeria, afloramentos rochosos — favorecem indivíduos mais escuros, que passam despercebidos por presas e predadores. Em felinos noturnos, isso pode aumentar taxas de sucesso de caça.

Termorregulação (a “hipótese do aquecimento”)

Corpos escuros absorvem mais radiação. Em répteis e insetos de climas frios, a coloração melanística ajuda a aquecer mais rápido pela manhã, encurtando o tempo para forragear e se reproduzir.

Defesa e imunidade

Algumas proteínas envolvidas em pigmentação interagem com vias imunes. Em canídeos, por exemplo, a variante associada ao preto no locus CBD103 está ligada a diferenças de resposta a patógenos. Em aves urbanas, plumagens mais escuras podem quelar metais pesados e reduzir danos oxidativos — um bônus em ambientes poluídos.

Comunicação e escolha sexual

Em espécies nas quais a coloração comunica status, indivíduos escuros podem sinalizar vigor ou dominância. Isso não é regra universal, mas em certos contextos eleva a chance de acasalamento.

Quando o preto deixa de ser vantagem

Custo térmico e visual

Em áreas abertas, quentes e muito iluminadas, ser escuro pode superaquecer animais e aumentar a exposição para predadores. Como a natureza “negocia” custos e benefícios, o melanismo tende a ser mais comum onde a balança pesa a favor.

Menos diversidade é menos resiliência

Se uma população fixa quase só um morfo, perde variabilidade genética. A cor, por si só, não ameaça a espécie, mas populações pequenas e isoladas com poucos alelos ficam mais vulneráveis a eventos extremos.

Exemplos clássicos e o que eles ensinam

Onça-preta e leopardos-negros

Famosos no imaginário brasileiro, os felinos melanísticos concentram registros em florestas úmidas (onde a camuflagem escura rende mais). Apesar do corpo “inteiro preto”, as rosetas permanecem no padrão da pelagem e aparecem sob luz oblíqua.

A mariposa-pimentada (o caso da indústria)

Durante a Revolução Industrial, fuligem escureceu troncos de árvores na Inglaterra. A forma clara da mariposa ficou mais visível para predadores; a forma escura passou a sobreviver mais, multiplicando-se. Décadas depois, com ar mais limpo, o padrão voltou a clarear — um exemplo didático de seleção natural rápida.

Répteis e anfíbios em regiões frias

Lagartos e salamandras de alta altitude frequentemente exibem morfos mais escuros, compatíveis com a hipótese do melanismo térmico: quem escurece aquece mais e ativa o metabolismo antes.

Aves urbanas

Em pombos e outras aves de cidade, indivíduos mais escuros costumam ser mais frequentes em áreas de poluição e asfalto, possivelmente por suporte fisiológico para lidar com contaminantes e radiação.

Melanismo na fauna brasileira: muito além da onça

Mamíferos

Além da onça-pintada, já houve registros de gatos-do-mato, jaguatiricas e tayras (iraras) com coloração escura. A ocorrência é esparsa e, em geral, associada a fragmentos florestais.

Aves e répteis

Cobras melanísticas aparecem pontualmente em diversas regiões; em aves, plumagens escurecidas também são relatadas, sobretudo em ambientes alterados ou litorâneos.

Por que documentar importa

Morfo de cor é dado científico. Fotos, datas e coordenadas postadas em plataformas de ciência cidadã ajudam pesquisadores a mapear frequência, distribuição e mudanças ao longo do tempo.

Regras ecológicas que ajudam a entender a distribuição

Regra de Gloger

Espécies tendem a ser mais escuras em climas quentes e úmidos e mais claras em ambientes secos. Não é lei rígida, mas é um padrão recorrente em aves e mamíferos.

Hipótese do melanismo térmico

Em ectotérmicos (répteis e insetos), colorações escuras são favorecidas em locais frios porque aceleram o aquecimento corporal.

Como pesquisadores detectam e estudam melanismo

Genética de campo

Biólogos coletam pelos, penas ou fezes para extrair DNA e identificar variantes em MC1R, ASIP e outros genes ligados à cor. Assim é possível estimar frequência de alelos e inferir seleção natural.

Modelagem de habitat

Cruza-se a localização de indivíduos melanísticos com tipo de vegetação, altitude, temperatura, cobertura de nuvens e impacto humano. O objetivo é prever onde e por que o morfo se estabelece.

Fotoarmadilhas e séries temporais

Câmeras automáticas acumulam milhares de registros ao longo de anos. Quando surgem indivíduos escuros, é possível acompanhar sobrevivência, deslocamento e sucesso reprodutivo comparados aos claros.

Mitos comuns (e as respostas diretas)

“Todo animal preto é mais agressivo.”

Falso. Cor não determina comportamento. Agressividade depende de espécie, contexto, histórico e condição fisiológica.

“Onça-preta é mais rara e, por isso, vale mais no tráfico.”

Além de crime, essa ideia é enganosa e perigosa. “Raridade” varia por habitat; a coloração não torna o animal “de maior valor”. O que existe é crime ambiental com alto impacto para populações.

“Melanismo é sempre ruim para o animal.”

Depende do ambiente. Em florestas sombrias, pode ser uma vantagem; em campos abertos e quentes, pode ser desvantagem.

Conservação: o que a cor tem a ver com proteger espécies

Polimorfismo como seguro evolutivo

Manter morfos claros e escuros em uma população é útil diante de mudanças climáticas e transformações do habitat. A diversidade de cor é parte da diversidade genética que sustenta a resiliência.

Paisagens que favorecem a convivência

Corredores florestais, redução do desmatamento e combate à caça permitem que ambos os morfos se mantenham, evitando que pressões artificiais eliminem variantes raras.

Educação e ciência cidadã

Ensinar que onça-preta não é “bicho diferente”, mas a mesma espécie, reduz mitos e incentiva registros responsáveis (sem divulgar locais sensíveis) para apoiar pesquisas.

Perguntas frequentes (FAQ)

O melanismo dói ou prejudica a visão?

Não. Em felinos, as rosetas estão lá; o que muda é o contraste. Em geral não há prejuízo funcional direto só por ser melanístico.

Dá para “produzir” melanismo em cativeiro?

Tecnicamente, selecionando casais com os alelos desejados. Eticamente, o foco de criadouros sérios deve ser bem-estar e conservação, não “colecionismo de cores”.

Humanas e humanos podem ter melanismo?

Em pessoas, a variação de cor da pele é poligênica e contínua; o termo “melanismo” é pouco usado clinicamente. Casos de hiperpigmentação localizada existem, mas são outra categoria.

Boas práticas para observar e registrar animais melanísticos

Distância e segurança

Fotografe de longe, sem iscas, sem playback e sem expor rotas. Respeite a legislação e evite divulgar coordenadas de espécies ameaçadas.

Contexto técnico na foto

Registre data, horário, tipo de ambiente e comportamento. Esses metadados tornam a observação cientificamente útil.

Cooperação com pesquisadores locais

Ao observar um animal raro (melanístico ou não), procure instituições regionais para informar a ocorrência. Isso ajuda a orientar políticas de proteção.

Considerações finais: o preto que revela a cor da evolução

O melanismo é um lembrete elegante de como a seleção natural opera a curto e longo prazos, afinando detalhes que fazem diferença no cotidiano dos animais. Às vezes, o “preto absoluto” é a melhor estratégia para ver sem ser visto; em outras, custa caro no sol do meio-dia. Entender quando e por que a natureza escolhe essa paleta ajuda a proteger espécies, planejar paisagens e contar a história real da vida na Terra — uma história escrita também nos tons de negro.

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