A história que chocou bibliotecas em todo o continente
Entre 2022 e 2024, uma quadrilha especializada em furtar livros raros espalhou um rastro de prejuízos por várias bibliotecas e universidades da Europa. Foram levadas dezenas de obras valiosas — algumas com mais de dois séculos de existência — substituídas por cópias tão bem-feitas que passaram despercebidas por meses. As autoridades classificaram o caso como “o maior roubo de livros desde a Segunda Guerra Mundial”, e a investigação que seguiu ficou conhecida como Operação Pushkin. O nome foi escolhido por causa das primeiras edições de Alexander Pushkin, o grande poeta russo, que figuravam entre as peças roubadas.
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O início da Operação Pushkin
O primeiro alerta surgiu na Universidade de Tartu, na Estônia. Funcionários perceberam que volumes originais de escritores russos haviam sido trocados por réplicas. O caso parecia isolado, mas logo outras instituições na Letônia, Lituânia e Finlândia relataram o mesmo tipo de ocorrência. Com o passar dos meses, a polícia descobriu uma rede internacional de ladrões que atuava com precisão cirúrgica. O esquema envolvia o uso de identidades falsas, falsificação de documentos e a produção de réplicas altamente realistas. O grupo tinha conhecimento técnico e logístico para circular em bibliotecas históricas, manipular obras com cuidado e evitar câmeras e sensores de segurança.
Uma rede transnacional de crimes culturais
As investigações mostraram que a quadrilha atuava em pelo menos sete países. Além dos bálticos, foram encontrados indícios de roubos na Polônia, França e Suíça. Em muitos casos, os livros desapareciam e eram substituídos por cópias tão convincentes que só peritos experientes conseguiam perceber a diferença. As obras levadas pertenciam, em sua maioria, ao século XIX — primeiras edições de autores russos, tratados de ciência e coleções de gravuras históricas. Os investigadores estimam que mais de 70 volumes raros foram subtraídos, com valor total superior a meio milhão de euros.
Quem estava por trás do roubo
O principal suspeito, Beqa Tsirekidze, um georgiano de 48 anos, foi condenado na Estônia e na Letônia a mais de três anos de prisão. Ele declarou ter aprendido sozinho técnicas de restauração e falsificação de livros antigos. Outro acusado, Mikhail Zamtaradze, também georgiano, afirmou ter trabalhado sob encomenda para colecionadores da Rússia, recebendo pagamentos em criptomoedas. O filho de Beqa, Mate Tsirekidze, e sua parceira, Ana Gogoladze, também foram detidos após serem flagrados em uma biblioteca de Varsóvia com volumes raros. O casal foi condenado pelo roubo de obras avaliadas em cerca de 85 mil euros.
O modus operandi: o crime perfeito
A quadrilha seguia um padrão sofisticado. Primeiro, fazia o reconhecimento do acervo, mapeando os livros mais valiosos. Depois, solicitava o acesso às obras sob o pretexto de pesquisa acadêmica. Uma vez dentro da sala de leitura, realizava a substituição dos exemplares originais por cópias quase idênticas. Em muitos casos, as réplicas eram confeccionadas com papel antigo, costura artesanal e carimbos falsificados, imitando os das bibliotecas. A operação era executada com precisão: enquanto um membro distraía os funcionários, outro fazia a troca. Em algumas ocasiões, as obras eram simplesmente retiradas e levadas em bolsas adaptadas, sem substituição imediata.
O destino das obras roubadas

Após os furtos, os livros eram enviados para intermediários em Moscou e vendidos em leilões internacionais. Alguns volumes chegaram a ser listados por casas de leilão conhecidas, apresentando carimbos de instituições europeias — um sinal evidente de origem ilícita. Mesmo assim, muitos foram arrematados por colecionadores. As autoridades russas negam envolvimento direto, mas reconhecem a dificuldade de fiscalizar o mercado de antiguidades. As investigações apontam que as vendas eram intermediadas por redes de comércio de arte que operam entre a Rússia e o Leste Europeu.
As falhas reveladas nas bibliotecas
O caso escancarou a fragilidade dos sistemas de segurança de várias instituições. Muitas bibliotecas antigas ainda não possuem câmeras de alta resolução nem controle digitalizado de entrada e saída de volumes. Em alguns locais, o acesso às salas de obras raras era feito apenas mediante registro manual e vigilância parcial. Essa vulnerabilidade permitiu que o grupo atuasse durante meses sem levantar suspeitas. Após a descoberta, universidades como Tartu e Varsóvia reforçaram protocolos de segurança, instalaram câmeras adicionais e restringiram o acesso de visitantes estrangeiros.
A reação internacional
A Europol coordenou uma grande operação que envolveu mais de cem agentes em diferentes países. Batizada de Operação Pushkin, a ação levou à prisão de nove pessoas e à recuperação de parte das obras roubadas. No entanto, grande parte do acervo ainda está desaparecida. Segundo fontes da investigação, a recuperação completa pode levar anos, pois muitos volumes já foram revendidos ou incorporados a coleções particulares.
Consequências culturais e patrimoniais
O roubo foi considerado um golpe simbólico ao patrimônio intelectual europeu. Diferente de uma obra de arte isolada, um livro raro carrega consigo o conhecimento acumulado, as anotações marginais de leitores históricos e a trajetória de instituições centenárias. Perder esses volumes é como apagar parte da memória coletiva. Especialistas em preservação defendem que a proteção do acervo bibliográfico deve ser tratada com a mesma prioridade dada a museus e galerias.
Lições e mudanças após o caso
Desde o escândalo, vários países europeus começaram a revisar suas políticas de segurança para obras raras. Entre as medidas propostas estão o rastreamento digital de exemplares, o uso de microchips de identificação, e a criação de um banco de dados internacional com registros fotográficos de livros de valor histórico. Casas de leilão também passaram a exigir comprovação de procedência mais rigorosa. A Europol, por sua vez, vem articulando parcerias com universidades e ministérios da cultura para impedir que crimes semelhantes ocorram novamente.
O legado da Operação Pushkin
A investigação continua, e novas prisões podem ocorrer. Mesmo assim, a Operação Pushkin deixou um legado importante: o de despertar a atenção mundial para a vulnerabilidade do patrimônio bibliográfico. O episódio revelou que o tráfico de livros raros é um negócio lucrativo, sustentado por colecionadores e intermediários dispostos a pagar fortunas por obras roubadas. Mais do que um crime econômico, trata-se de um ataque ao conhecimento, um lembrete de que preservar a história é tão importante quanto contá-la.
Considerações finais
O maior roubo de livros desde a Segunda Guerra não apenas privou bibliotecas de tesouros insubstituíveis, mas também expôs a necessidade de uma nova cultura de proteção e rastreabilidade no meio acadêmico. A Operação Pushkin será lembrada não só como um caso policial, mas como um ponto de virada na forma como o mundo vê a segurança do saber escrito.













