Será que o nosso emprego e nossa formação acadêmica definem quem nós somos? Vivemos em uma realidade em que o nível de estudo vai determinar a “qualidade do seu emprego”, ainda bem que há pessoas como a Beatriz Fraco dispostas a virar esse jogo.
Formada em jornalismo, com domínio em três idiomas, Beatriz resolveu ajudar uma amiga como balconista de sua loja de doce. Precisava trabalhar quatro vezes por dia durante o período da tarde e conquistaria o sonhado dinheiro que estava em falta há alguns meses. Entre ficar se questionando se questionando se era mais qualificada do que a vaga e conseguir um dinheiro, ela escolheu a segunda opção.
Foto reprodução/Arquivo pessoal
E foi vestindo avental e touca que ela percebeu o quanto ela mesma via outros atendentes com inferioridade. Ela conta que, em um dos dias de trabalho, viu dois clientes com uma dúvida gramatical e, por mais que sua língua tivesse coçado, não respondeu. “Mas, eu era só uma atendente e eles não iriam acreditar que eu sabia”, disse em seu relato.
E mesmo com pouquíssima experiência na área (apenas três semanas), Beatriz se renovou e ganhou mais energia para tocar o emprego e estudar para projetos futuros. Além do mais, tem conhecido muitas pessoas e suas histórias de vida, coisa que jornalista nenhum dispensa no seu dia a dia.
Foto reprodução/Arquivo pessoal
E você? Já parou para pensar que pode estar sendo preconceituoso também?
Leia na íntegra o relato de Beatriz:
“Me descobri preconceituosa. Eu, que defendo tanto a igualdade de gêneros, de cor, de religião, que tenho amigos gays, nordestinos, evangélicos, jovens, velhos, com dinheiro e sem, até coxinhas e petralhas! Vários tipos de rótulos.
Explico: Nos últimos meses, minha área de trabalho – como muitas – está muito ruim. Em quatro meses não consegui quase nada. Então, depois de meses me enterrando num sofá perdendo tempo, vida e dinheiro, surgiu a oportunidade de ajudar uma amiga atendendo clientes em sua loja de doces. Quatro vezes por semana, período da tarde, remunerado. Uma boa forma de ocupar a cabeça, sair de casa e ter algum dinheiro. Foi aí que veio o primeiro julgamento: Eu, balconista? Jornalista, três idiomas, currículo em comunicação, trabalhando de touquinha na cabeça servindo os outros? Foi difícil tomar essa decisão, mas aceitei, estou precisando.
Dias depois, a cena durante a tarde, limpando uma das mesas, ouvi dois clientes conversando: “Coloco acento em ‘tem’? Mudou com a nova ortografia?” “Não sei. Não entendo.” E eu ali me remoendo pra dizer “eu sei, eu sei!!!”. Mas, eu era só uma atendente e eles não iriam acreditar que eu sabia. Depois a barreira seguinte: conhecidos e colegas antigos entrarem na loja e me verem nessa função. “O que eles vão pensar? Eles não sabem como cheguei até aqui, que a dona é minha amiga, vão pensar que não dei certo na vida.”
Dá pra entender como isso é errado??? Era com essa inferioridade que eu via os outros atendentes, balconistas e nunca tinha percebido! Sentia vergonha por estar em um trabalho honesto, justo, que traz alegria para as pessoas, que auxilia os outros? Eu deveria é ter vergonha de mim por pensar assim, por tanta falta de humildade e empatia. Por um preconceito idiota eu ia perder a chance de conhecer tanta gente nova como nas últimas três semanas, de ouvir tantas histórias de vida como sempre gostei de fazer, de aprender um novo trabalho, de ajudar uma amiga, de ter dinheiro pra comprar uma nova bicicleta, pra ir no casamento de uma amiga em outra cidade, de viver! Em tão pouco tempo, esse trabalho que eu achava tão inferior já me ajudou a estar mais feliz, disposta, a ter novas ideias, entender como uma pequena empresa funciona, a buscar cursos para aprender mais.
Como dizia meu avô: A vida não é como a gente quer, é como ela se apresenta! Então, estou aqui aceitando com muito amor e gratidão o que me foi apresentado. Aceitando novas formas de crescer e evoluir com, por enquanto, um preconceito a menos. Hoje, estou aqui, jornalista, tradutora, professora de idiomas, aprendiz de gestora e sim, atendente de um ateliê de doces. E o que mais precisar, a gente aprende a fazer também! E, modéstia à parte, eu tbm fico linda de touquinha!
Esse textão é pra tirar de uma vez essa vergonha de mim, para agradecer pela confiança e apoio dos queridos amigos Veronica, Bruno e Felipe, pelo empurrão dos meus pais Edna e Orlando e, talvez, se não for me achar muito, ajudar alguém a fazer a mesma reflexão e dar um passo à frente se for o momento.”
Por Larissa Maruyama












