Um novo capítulo da polêmica sobre limites éticos na indústria dos jogos está em curso. A organização britânica Women in Games, dedicada à inclusão feminina no universo dos games, fez um apelo público para que a Valve, responsável pelo Steam, remova um título de seu catálogo por apresentar conteúdo que promove violência sexual e incesto.
O jogo, classificado como um romance visual adulto, foi alvo de forte crítica após usuários e ativistas denunciarem sua temática, que inclui relações familiares impróprias e mensagens que sugerem o desrespeito ao consentimento. O caso reacende o debate sobre os critérios adotados por plataformas para aceitar ou vetar jogos em seus catálogos.
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O jogo em questão e a repercussão
Temática polêmica causa indignação
O título, que teve uma rápida ascensão no catálogo do Steam, ganhou notoriedade por sua narrativa baseada na dominação e na exploração de personagens femininas em contextos considerados abusivos. A história propõe ao jogador ações que normalizam comportamentos agressivos e sexualmente coercitivos, incluindo relações incestuosas.
Com frases sugestivas como “não aceite um não como resposta”, o conteúdo foi amplamente criticado por promover ideais que contrariam princípios básicos de consentimento e respeito.
Remoções iniciais em outros países
Antes da pressão pública no Reino Unido, o jogo já havia sido retirado da loja em países como Austrália e Canadá, onde leis e diretrizes de conteúdo são mais rigorosas. A remoção se deu após protestos de organizações de proteção aos direitos das mulheres e por violações às normas locais de segurança digital e moralidade.
Women in Games se posiciona oficialmente
Declaração da diretora-executiva
Marie-Claire Isaaman, CEO da Women in Games, classificou a permanência do jogo no Steam como “inadmissível” e afirmou que a presença de um conteúdo tão nocivo em uma das maiores plataformas de games do mundo contribui para a normalização da misoginia e da objetificação de mulheres e meninas.
A entidade exige não apenas a retirada imediata do título, como também que a Valve adote critérios mais rigorosos de avaliação de conteúdo, sobretudo em temas sensíveis como violência sexual e discurso de ódio.
Pressão por mudanças estruturais
Além da crítica direta ao jogo, a organização pede que empresas do setor se comprometam com políticas de tolerância zero contra conteúdos que violem princípios básicos de dignidade humana. O caso foi descrito como “um alerta” para os riscos de omissão e da falta de moderação adequada no ambiente digital.
O papel da Valve e as críticas à moderação da plataforma

Histórico da política “liberal” do Steam
Desde 2018, a Valve adotou uma postura mais permissiva em relação à publicação de jogos no Steam. A empresa afirmou que permitiria a presença de praticamente qualquer tipo de conteúdo, desde que não infringisse leis ou fosse considerado trolling explícito. Essa diretriz, porém, tem sido questionada com frequência.
Casos anteriores de conteúdo problemático
Em 2019, por exemplo, a empresa foi duramente criticada pela tentativa de publicação do jogo “Rape Day”, que colocava o jogador no papel de um agressor sexual em um cenário de apocalipse zumbi. Após grande repercussão negativa, o título foi removido antes do lançamento oficial, sob o argumento de que representava riscos à reputação da plataforma.
O caso atual levanta preocupações semelhantes e reacende a discussão sobre os limites da liberdade criativa nos jogos digitais.
Reações governamentais e legais
Atuação do governo britânico
A ministra do Interior do Reino Unido, Yvette Cooper, elogiou a pressão pública e reforçou que o Online Safety Act, em vigor no país, estabelece responsabilidades claras para plataformas digitais no combate a conteúdos nocivos. A legislação prevê que empresas devem evitar a exposição de seus usuários a temas que envolvam exploração, abuso e apologia à violência sexual.
Com base nessa lei, o título foi removido do catálogo britânico do Steam.
Outros países seguem o exemplo
Após o posicionamento do Reino Unido, autoridades de outros países europeus e da Oceania também começaram a avaliar medidas semelhantes. A expectativa é de que o jogo seja progressivamente banido em mais regiões, o que pode forçar uma decisão global da Valve sobre sua permanência na plataforma.
O debate sobre responsabilidade digital
Até onde vai a liberdade criativa?
A questão central levantada pelo caso é até que ponto a liberdade de criação pode ser usada para justificar a publicação de jogos com temáticas que envolvem violência sexual, misoginia ou qualquer tipo de discurso que infrinja direitos fundamentais.
Especialistas defendem que plataformas como o Steam, por seu alcance global, precisam estabelecer limites claros entre liberdade artística e conteúdo prejudicial, especialmente em ambientes acessados por públicos diversos, incluindo menores de idade.
Falta de mecanismos de denúncia eficazes
Outro ponto abordado por entidades como a Women in Games é a falta de canais eficazes para denúncias dentro das plataformas. Muitos usuários relataram dificuldade em reportar o conteúdo ou receber respostas adequadas da equipe de suporte da Valve.
Impactos para a indústria de jogos
Reforço à pauta da diversidade e do respeito
Casos como esse destacam a necessidade de uma indústria de jogos mais inclusiva e consciente. O movimento por ambientes mais seguros para mulheres, minorias e jovens tem crescido nos últimos anos, e episódios como este servem de catalisador para mudanças em políticas internas de empresas e também para o fortalecimento de legislações específicas.
Maior atenção à curadoria de conteúdo
Empresas que desejam manter sua credibilidade diante de uma comunidade global de usuários precisam investir mais em moderação proativa, treinamento de equipes e desenvolvimento de ferramentas automatizadas para triagem de conteúdo sensível.
Considerações finais
O pedido de remoção de um jogo com temática de violência sexual e incesto do catálogo do Steam, feito pela organização Women in Games, trouxe à tona um debate urgente sobre os limites do conteúdo digital, a responsabilidade das plataformas e a necessidade de maior regulação no setor de games.
À medida que a indústria de jogos se torna mais global e acessível, cresce também a responsabilidade de garantir ambientes seguros, éticos e respeitosos para todos os públicos. O caso é um lembrete de que liberdade criativa não pode ser confundida com permissão para promover discursos que ferem direitos e valores fundamentais.


