O chamado “Jogo do Tigrinho”, nome popular do caça-níquel Fortune Tiger, tornou-se um dos maiores fenômenos digitais dos últimos anos no Brasil. O que parecia ser apenas um jogo com estética infantil e colorida, na verdade, esconde um projeto elaborado para atrair e prender a atenção do usuário. Psicólogos, especialistas em comportamento digital e autoridades têm alertado: por trás do design aparentemente inofensivo existe um conjunto de técnicas pensado para incentivar apostas contínuas, estimular o vício e gerar lucros milionários às plataformas. Este artigo analisa como esse design funciona, os efeitos sociais e as medidas regulatórias que estão em andamento.
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A explosão do “Tigrinho”
Um jogo que virou mania
Fortune Tiger, desenvolvido pela empresa PG Soft, não possui regulamentação oficial no Brasil, mas viralizou a partir de 2023. O jogo se popularizou sobretudo por meio de influenciadores digitais, que exibiam supostas vitórias em transmissões ao vivo e despertavam a curiosidade de milhões de seguidores. Em pouco tempo, o nome “Tigrinho” passou a figurar entre os termos mais buscados da internet.
O apelo visual e a linguagem das redes
Com personagens simpáticos, cores vibrantes e interface simples, o jogo se tornou facilmente reconhecível. O design conversa diretamente com padrões típicos de aplicativos usados por jovens, o que amplia seu alcance e gera familiaridade instantânea.
Como o design cria dependência
Técnicas de persuasão digital
Especialistas classificam o modelo do Tigrinho como exemplo de design manipulativo. Isso significa que cada detalhe visual e sonoro é pensado para provocar estímulos que incentivem o usuário a continuar apostando. As recompensas intermitentes — ganhos pequenos em intervalos irregulares — reforçam a expectativa de vitória, o que mantém o jogador ativo.
A influência dos sons e das cores
Músicas animadas, luzes piscantes e mensagens positivas após cada rodada criam uma atmosfera de sucesso, mesmo quando o resultado é perda. Esses estímulos sensoriais estão alinhados com estudos de psicologia comportamental que apontam como pequenas recompensas liberam dopamina, o neurotransmissor do prazer.
O ciclo do reforço
A promessa constante de uma “grande vitória” funciona como gatilho para que o jogador retorne. Cada giro parece ser a chance definitiva de mudar de vida, alimentando o comportamento compulsivo.
Consequências sociais

Dívidas e tragédias pessoais
Histórias de jogadores endividados se multiplicam. Casos de pessoas que perderam todo o salário ou se envolveram em dívidas altíssimas chamam atenção, incluindo relatos de suicídio associados ao vício em apostas digitais.
O papel dos influenciadores
A divulgação do jogo por influenciadores desencadeou investigações. Muitos ostentavam bens de luxo nas redes sociais, associando essa vida ao sucesso nas apostas, quando, na verdade, recebiam pagamentos para promover a plataforma. A prática levou a prisões e operações policiais.
A vulnerabilidade dos jovens
Com visual amigável e linguagem próxima do universo digital, o Tigrinho atraiu especialmente adolescentes e jovens adultos, um grupo mais suscetível a comportamentos impulsivos. Essa exposição precoce aumenta o risco de desenvolver dependência em jogos de azar.
Reação do Estado e tentativas de regulação
Primeiras medidas legais
Diante da popularidade do jogo e das consequências sociais, o governo brasileiro publicou portarias regulamentando modalidades de apostas online, como roleta, caça-níqueis e crash games. O objetivo é criar regras claras para funcionamento e tributação.
Bloqueios judiciais
A Justiça determinou a retirada de sites e aplicativos que hospedavam o Tigrinho e outros jogos semelhantes. A Anatel foi acionada para derrubar plataformas irregulares, medida que mostra o avanço da repressão contra jogos não auditados.
Controle da publicidade
Em 2024, o governo também recomendou restringir propagandas de apostas com celebridades e influenciadores, sob pena de multas que podem chegar a bilhões de reais. A medida visa reduzir a exposição de públicos vulneráveis a esse tipo de conteúdo.
Alternativas para enfrentar o problema
Educação digital
Especialistas em educação defendem que escolas e famílias conversem abertamente sobre os riscos do jogo online. Informar sobre os mecanismos de manipulação é uma forma de criar consciência e resistência.
Design responsável
Há quem defenda que plataformas digitais adotem princípios de design ético, com alertas de risco visíveis, limites automáticos de apostas e ferramentas de autoexclusão. Essa abordagem busca conciliar entretenimento com proteção ao usuário.
Apoio psicológico
Quem já desenvolveu dependência encontra ajuda em grupos de apoio, terapias cognitivas e acompanhamento especializado. O vício em apostas é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e deve ser tratado como problema de saúde mental.
O que esperar daqui para frente
Desafios da regulação contínua
O mercado de apostas digitais é dinâmico e se reinventa rapidamente. Novos aplicativos surgem com frequência, muitas vezes hospedados fora do país, o que dificulta o controle. A regulação precisará se adaptar constantemente para acompanhar essas mudanças.
Responsabilidade compartilhada
A contenção do problema exige ação coordenada: governo, plataformas digitais, famílias e sociedade precisam compartilhar responsabilidades. Sem essa integração, o ciclo de manipulação e dependência tende a se repetir.
Considerações finais
O “Jogo do Tigrinho” não se popularizou apenas por sorte: seu design foi pensado para encantar, prender e estimular o vício. Por trás da estética colorida e do mascote simpático, há um mecanismo sofisticado de manipulação comportamental. As consequências já são visíveis, com dívidas, famílias em crise e jovens cada vez mais expostos a riscos. O desafio está em equilibrar inovação digital com responsabilidade social. A discussão sobre o Tigrinho expõe um tema urgente: até que ponto o design deve servir ao entretenimento e quando passa a ser uma ferramenta de exploração?













