Poucas cientistas conseguiram alterar de forma tão profunda a compreensão humana sobre o comportamento animal quanto Jane Goodall. Suas pesquisas com chimpanzés selvagens no Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia, iniciadas em 1960, não apenas derrubaram conceitos consolidados na biologia e na psicologia, mas também redefiniram o limite entre o “humano” e o “animal”.
Sem formação acadêmica formal na época em que começou o trabalho de campo, Goodall desafiou o pensamento científico tradicional ao adotar uma metodologia baseada na observação paciente, empatia e convivência direta com os chimpanzés. O resultado foram descobertas que mudaram a forma como vemos a nós mesmos — uma ponte entre o instinto e a razão, a emoção e a cultura.
A seguir, exploramos as cinco maiores revelações de Jane Goodall, que continuam ecoando na ciência, na ética e na forma como o mundo enxerga a natureza.
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A mulher que escutou a floresta
Antes de Jane Goodall, poucos pesquisadores haviam se aventurado a observar primatas em ambiente selvagem por longos períodos. Enviada à África com o apoio do paleoantropólogo Louis Leakey, ela foi incumbida de estudar os parentes vivos mais próximos do homem.
A cientista passou meses sozinha no coração da floresta, aproximando-se lentamente dos grupos de chimpanzés. Ao contrário dos métodos convencionais da época, ela não numerou os indivíduos, mas deu-lhes nomes — como David Greybeard, Flo e Fifi — reconhecendo-os como seres únicos, com emoções e traços de personalidade distintos.
Essa abordagem inovadora, inicialmente criticada, abriu caminho para um novo tipo de pesquisa científica: mais humana, sensível e integrada à realidade dos animais observados.
1. Os chimpanzés também criam e usam ferramentas

Um dos momentos mais revolucionários da carreira de Goodall aconteceu em 1960, quando ela testemunhou David Greybeard retirando cupins de um ninho com a ajuda de um galho fino. Mais do que usar a ferramenta, ele havia modificado o objeto — arrancando as folhas para que coubesse no orifício.
Até então, acreditava-se que o uso de ferramentas era exclusivo dos seres humanos. A descoberta forçou o renomado antropólogo Louis Leakey a declarar:
“Agora teremos de redefinir o homem, redefinir a ferramenta ou aceitar os chimpanzés como humanos.”
A observação de Goodall alterou a fronteira científica entre humanidade e animalidade, mostrando que a inteligência prática e a criatividade também estavam presentes em outros seres.
2. Os chimpanzés caçam e compartilham carne
Outra descoberta inesperada foi que os chimpanzés não são estritamente vegetarianos. Jane observou grupos organizando caçadas coletivas a pequenos macacos, como colobos-vermelhos, dividindo a carne após o abate.
Esse comportamento revelou que, além de frutas e sementes, a dieta dos chimpanzés inclui proteína animal. A caça, realizada de forma cooperativa, demonstrou também coordenação e hierarquia social entre os indivíduos.
Goodall registrou que os machos mais fortes lideravam a caçada, mas as fêmeas e filhotes também recebiam parte do alimento, fortalecendo laços e alianças dentro do grupo. Essa descoberta derrubou a visão romântica de que os primatas seriam pacíficos e frugívoros, mostrando que a competição e o instinto de sobrevivência também moldam seu comportamento.
3. Os chimpanzés também fazem guerra
Durante os anos 1970, Jane documentou o que ficou conhecido como a Guerra dos Quatro Anos, um conflito entre dois grupos vizinhos de chimpanzés em Gombe. O que começou como uma divisão de território evoluiu para ataques coordenados, assassinatos e destruição de comunidades inteiras.
Essa descoberta chocou o mundo científico e o público. Pela primeira vez, evidenciava-se que animais próximos a nós biologicamente também eram capazes de violência organizada, dominação e estratégia bélica.
Goodall, profundamente abalada, descreveu as cenas como “um retrato perturbador da natureza primitiva do ser humano refletida em nossos primos selvagens”. O episódio levou pesquisadores a repensarem a origem da agressividade, mostrando que ela pode ter raízes evolutivas compartilhadas entre humanos e chimpanzés.
4. Emoções, empatia e vínculos familiares
Jane Goodall foi pioneira em demonstrar que chimpanzés possuem emoções complexas, muito semelhantes às nossas. Ela observou mães que cuidavam dos filhos com extrema dedicação, adultos que choravam a perda de companheiros e até gestos de empatia e consolo entre indivíduos.
Um dos exemplos mais conhecidos foi o de Flo, uma fêmea idosa que se tornou símbolo da maternidade entre os chimpanzés de Gombe. Após sua morte, seu filhote, Flint, entrou em depressão e acabou morrendo pouco depois — um caso que emocionou o mundo científico e revelou a profundidade dos laços afetivos entre os primatas.
Essas observações ajudaram a consolidar a ideia de que animais também sentem, pensam e sofrem. Hoje, conceitos como bem-estar e direitos animais têm parte de suas origens nas conclusões tiradas dos estudos de Goodall.
5. Chimpanzés possuem cultura e aprendizado social
Outra contribuição revolucionária de Goodall foi identificar que certos comportamentos eram aprendidos e transmitidos entre gerações, caracterizando o que se pode chamar de “cultura animal”.
Ela notou, por exemplo, que cada grupo de chimpanzés tinha suas próprias formas de usar ferramentas, técnicas de caça e gestos sociais. Esses padrões variavam conforme a comunidade e eram passados de mãe para filho.
Essa constatação mostrou que a cultura — antes considerada atributo exclusivo do ser humano — também está presente no mundo animal, em forma de tradições sociais e cognitivas. Essa percepção ampliou o conceito de inteligência e aprendizado na natureza.
Um legado que ultrapassa a ciência
As descobertas de Jane Goodall não apenas transformaram a primatologia, mas também impulsionaram uma nova ética ambiental. Ao mostrar que os chimpanzés são seres complexos, inteligentes e emocionais, ela defendeu a preservação de habitats naturais e a criação de leis que protegessem os grandes primatas.
Em 1977, fundou o Jane Goodall Institute, organização voltada à pesquisa, educação ambiental e projetos de conservação na África. Seu trabalho inspirou cientistas, ambientalistas e educadores em todo o mundo a adotar uma abordagem mais compassiva e sustentável.
Além da ciência, Goodall tornou-se símbolo de ativismo e esperança. Em suas palestras, ela repete que cada pessoa tem poder de transformar o mundo:
“O que você faz faz diferença, e você deve decidir que tipo de diferença quer fazer.”
Críticas e desafios
Apesar de seu reconhecimento global, Jane Goodall enfrentou críticas. Alguns cientistas questionaram sua tendência a atribuir emoções humanas aos chimpanzés, enquanto outros alegaram que a alimentação oferecida no início das pesquisas poderia ter alterado o comportamento dos animais.
No entanto, a própria comunidade científica reconhece que sua sensibilidade e sua metodologia empática foram essenciais para compreender os chimpanzés em profundidade. O equilíbrio entre rigor e empatia é, hoje, considerado um avanço metodológico, não uma falha.
Considerações finais
Jane Goodall mudou a forma como o mundo enxerga os animais — e, por consequência, a si mesmo. Suas descobertas revelaram que os chimpanzés usam ferramentas, caçam, fazem guerra, expressam emoções e transmitem conhecimento.
Mais do que uma cientista, ela é uma voz pela coexistência entre humanidade e natureza. Ao observar os chimpanzés com olhos atentos e coração aberto, Goodall nos ensinou que compreender os outros seres vivos é também compreender a própria condição humana.
O legado de Jane Goodall continua vivo, lembrando-nos de que ciência e compaixão podem caminhar lado a lado, e que a fronteira entre nós e o restante da natureza é muito mais tênue do que imaginávamos.













