A Interpol emitiu um alerta contundente sobre a rápida expansão das chamadas “fábricas de golpes digitais”, estruturas clandestinas dedicadas a fraudes cibernéticas que se espalham pelo mundo e representam um novo tipo de ameaça transnacional. Segundo relatório publicado no final de junho de 2025, essas organizações criminosas têm utilizado tráfico humano, tecnologias emergentes como inteligência artificial e engenharia social avançada para praticar crimes digitais em escala industrial.
O relatório intitulado Crime Trend Update revela que o problema deixou de ser localizado e ganhou proporções globais, atingindo mais de 60 nacionalidades de vítimas, que muitas vezes são forçadas a cometer crimes após serem enganadas com promessas de emprego.
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O que são as fábricas de golpes digitais
Estrutura do esquema
Essas fábricas funcionam como verdadeiros centros operacionais do crime digital. Nelas, pessoas recrutadas ou sequestradas são obrigadas a aplicar uma série de fraudes online, como golpes amorosos, extorsões sexuais (sextorsão), fraudes bancárias e invasões de contas, com uso de perfis falsos e tecnologias enganosas.
Os centros contam com computadores, acesso à internet de alta velocidade, sistemas de monitoramento interno e controle físico das vítimas — que vivem sob ameaça constante.
Exploração humana no coração do sistema
A Interpol destaca que grande parte das pessoas envolvidas nos esquemas são vítimas de tráfico humano, aliciadas por vagas de trabalho falsas e levadas a países como Mianmar, Laos, Camboja e Filipinas. Ao chegar, os documentos são retidos e elas passam a ser obrigadas a trabalhar em golpes, sob pena de agressões físicas e psicológicas.
Expansão internacional das operações
Da Ásia para o mundo
Embora a origem dessas fábricas esteja concentrada no Sudeste Asiático, especialmente no tristemente conhecido complexo KK Park em Mianmar, o fenômeno já alcança outras regiões, como África Ocidental, América Central e até partes do Oriente Médio.
De acordo com o relatório, mais de 20 países já identificaram estruturas semelhantes em seus territórios ou relataram conexões com redes criminosas desse tipo.
Alcance global das vítimas
As vítimas não são apenas locais. Há relatos de pessoas de nacionalidades tão diversas quanto Brasil, Alemanha, Estados Unidos, África do Sul e Índia. Muitas delas são jovens, com idade entre 20 e 39 anos, e foram recrutadas por plataformas de emprego ou anúncios patrocinados nas redes sociais.
Como funcionam os golpes aplicados

Golpes românticos e emocionais
Um dos tipos mais comuns de fraude envolve o uso de perfis falsos criados com fotos atraentes, muitas vezes geradas por IA, para enganar pessoas em redes sociais ou aplicativos de relacionamento. O objetivo é gerar laços afetivos e, posteriormente, pedir dinheiro sob pretextos variados.
Fraudes financeiras e invasões de contas
Outro braço importante das fábricas digitais são os golpes bancários e de investimento. Com o uso de informações pessoais obtidas por engenharia social, os criminosos simulam atendimentos de bancos, corretoras ou instituições financeiras para roubar dados sensíveis.
Sextorsão com deepfakes
A tecnologia de deepfake tem sido usada para forjar vídeos e imagens falsos com rostos de vítimas, que são depois ameaçadas com a divulgação do conteúdo. Essa modalidade tem se espalhado rapidamente, causando danos emocionais graves e extorsão financeira.
A influência da inteligência artificial nas fraudes
Automações e imitação de linguagem
A utilização de inteligência artificial generativa permitiu aos golpistas criar respostas automáticas mais convincentes, aumentando a eficácia dos golpes. Com ferramentas de linguagem avançada, os criminosos conseguem manter conversas longas com as vítimas, sem levantar suspeitas.
Perfis falsos realistas
Além das respostas textuais, a IA também é usada para criar rostos digitais, vídeos manipulados e vozes clonadas, ampliando a sofisticação dos enganos e tornando-os mais difíceis de detectar até mesmo por especialistas.
Tráfico humano e múltiplos crimes conectados
Encarceramento e tortura
As vítimas recrutadas são mantidas em edifícios cercados, vigiadas 24 horas por dia e, em muitos casos, espancadas ou torturadas caso tentem fugir. A situação foi classificada por investigadores como trabalho forçado em ambiente de cativeiro digital.
Conexões com tráfico de drogas e armas
A Interpol alerta que essas fábricas de golpe não operam isoladamente. Elas fazem parte de um ecossistema de crime organizado, muitas vezes associado a tráfico de armas, exploração sexual, contrabando de animais silvestres e até financiamento de milícias paramilitares.
Casos recentes e operações de resgate
Megaoperação na Namíbia
Em 2024, uma das maiores operações já realizadas resgatou 88 pessoas em Windhoek, capital da Namíbia. As vítimas, de diferentes nacionalidades, estavam sendo forçadas a aplicar golpes bancários contra alvos europeus.
Intervenção no Sudeste Asiático
Na Ásia, autoridades conseguiram libertar mais de 7 mil pessoas em Mianmar, mantidas em centros clandestinos ligados ao KK Park. Entre os resgatados estavam cidadãos da Malásia, Filipinas, Tailândia, Índia, Taiwan e China.
Medidas da Interpol para enfrentar a crise
Cooperação internacional
A Interpol está incentivando países a compartilharem dados em tempo real, fortalecerem o controle das fronteiras e promoverem acordos bilaterais para combater as redes de tráfico humano e cibercrime.
Lançamento de alerta laranja
A organização emitiu uma Orange Notice, um dos mais altos níveis de alerta internacional, para chamar atenção sobre a gravidade da situação e exigir ação urgente de governos e empresas de tecnologia.
Desafios enfrentados pelas autoridades
Limitações legais e tecnológicas
Muitos países ainda carecem de legislação adequada para lidar com crimes cibernéticos complexos e não têm estrutura para investigar crimes transnacionais, especialmente aqueles envolvendo novas tecnologias.
Dificuldade de rastreamento digital
Os criminosos usam redes privadas, criptografia e sistemas de proxy para ocultar sua localização, dificultando o trabalho de identificação e interrupção das operações pelas autoridades policiais.
Impacto sobre a sociedade
Prejuízos financeiros globais
Estima-se que os prejuízos provocados por esses golpes ultrapassem bilhões de dólares por ano, atingindo vítimas individuais, empresas, bancos e governos.
Danos psicológicos às vítimas
Além das perdas financeiras, há os impactos emocionais. Vítimas relatam depressão, ansiedade, isolamento social e vergonha após caírem em armadilhas digitais, especialmente em golpes sentimentais ou de sextorsão.
O que pode ser feito
Educação digital preventiva
Campanhas de alfabetização digital, alertando sobre como identificar perfis falsos, e-mails suspeitos e comportamentos manipuladores, são fundamentais para reduzir o número de vítimas.
Responsabilidade das plataformas
Especialistas pedem que redes sociais, sites de recrutamento e serviços de mensagens implementem verificações mais rigorosas, evitando que criminosos usem essas plataformas como canal de acesso às vítimas.
Considerações finais
O relatório da Interpol deixa claro que as fábricas de golpes digitais representam uma nova forma de crime internacional, mais silenciosa, tecnológica e perigosa do que se imaginava. Ao unir tráfico humano, cibercrime, IA e violência, essas redes criaram um sistema de exploração que desafia fronteiras, leis e sistemas de segurança.
Para conter essa epidemia digital, será necessário um esforço conjunto entre governos, empresas, sociedade civil e organizações internacionais. O combate ao cibercrime não é mais uma questão técnica — é uma urgência humanitária.













