O caminho de angústias começou em 15 de novembro de 2020, naquele ano adiada pela primeira onda da pandemia. Humberto Vieira, de 65 anos, votou normalmente em Fortaleza, já com uma moleza no corpo. Preocupado, decidiu fazer um exame.
Naquele primeiro momento, foi informado da infecção e de 25% de comprometimento dos pulmões. Mas voltou para casa, certo de que a doença regrediria em breve, já que não apresentava sintomas de alarme. Três dias depois, na quarta (18), novo exame constatou o triplo do problema: tinha 75% dos pulmões prejudicados.
O gerente de projetos ligou para a médica e foi orientado imediatamente a buscar um hospital privado.
“Fui com meu filho e até disse: ‘fique aqui me esperando que já eu volto’. Mas não voltei mais”, conta.
Humberto foi internado e passou três dias no quarto, trabalhando e participando de reuniões on-line. Então, outro médico informou-lhe que sua saturação de oxigênio estava em 88% – quando o normal para uma pessoa saudável é 95%. Um tratamento mais severo seria necessário.
Sugeriram colocá-lo no capacete Elmo, que ajudou a salvar centenas de vidas no Ceará, mas o homem temia a claustrofobia. A alternativa foi uma máscara de ventilação não-invasiva (VNI), para ajudar na respiração.
Algum tempo depois, recebeu a notícia que o fez chorar: precisariam intubá-lo. Naquele momento, se deu conta de que poderia nunca mais rever a esposa, Luziana, ou o filho, Bruno. Com sedativos na corrente sanguínea, apagou-se do mundo por três meses.
CORRENTE DE FÉ
Foi o pior momento da vida da psicóloga Luziana Vieira. Viu Humberto ser traqueostomizado e acoplado a um pulmão artificial, ter a pele ferida por tantas injeções, receber sucessivas transfusões de sangue e fazer hemodiálise quando os rins falharam.
Ela não estava doente como ele, mas lhe faltava o ar. Encontrava respiro de olhos fechados, orando enquanto adorava o Santíssimo Sacramento, ou quando trocava uma palavra de apoio com o filho.
“Quando eu não tava bem, eu não ia te visitar, mas o Bruno ia. No dia que ele tava pior, eu ia”, lembra para Humberto, durante a entrevista. “A gente foi se dando força pra superar”.
Quando o marido acordou, no dia 27 de fevereiro de 2021, foi o dia mais feliz da vida. A pneumologista Rosa Malena disse que elas entrariam juntas na UTI, para ver como ele se sustentava sem a sedação. “Ele tava cansado, mas falou comigo”, comemora Luziana.

Reconhecer a médica que não desistiu dele foi a primeira ação de Humberto ao abrir os olhos, mesmo com a cabeça nublada pelas drogas. Ele atribui a nova chance de viver às teimosias dele e dela, cuja insistência a diferenciou dos médicos que abandonaram a ideia.
Animado, mas perdido
Doeu nele saber que, por três vezes, outros profissionais tenham chamado sua família para se despedir. “Disseram que era questão de horas, que eu não teria como escapar”.
O calendário marcava 92 dias de coma, mas, para ele, “tinha passado um dia”. Ali começava um longo processo de reabilitação: ainda demorou quase um mês para deixar o hospital, em 24 de março, e continuou fisioterapia e fonoaudiologia em casa.

Reaprendendo a viver!
Nada estava normal. Nem a própria voz, que não reconhecia, nem a coordenação dos movimentos do corpo.
“Era horrível porque, na minha cabeça, eu estava normal, mas levantava da cama e pluf! Caía”.
Reaprender o básico – ficar de pé, andar, mudar de direção – durou todo o ano de 2021. Nesse período, ele teve outro diagnóstico desafiador. Continuava desnorteado porque perdeu os dois labirintos, estruturas do ouvido responsáveis pela noção de equilíbrio e percepção de posição do corpo. Como num labirinto, estava sem caminho.
Foi aí que entrou novamente a teimosia do engenheiro. Ora, antes de tudo isso, ele fora corredor de rua e de praia, ciclista, nadador, aluno de funcional. Não seriam as sequelas de uma doença que o limitariam.
Vou viver o resto da vida tonto? Vou. Mas, se eu treinar o cérebro, ensinar a ele que minha condição é essa, ele vai entender.

MONTANDO A BASE
Humberto tomou gosto pela atividade física e voltou a passear pela Beira-Mar. No início de 2022, durante uma caminhada, ele topou com o educador físico Alexandre Castro, o ‘Xande’, com quem teve aulas de funcional em 2014.
Minha meta é correr essa Beira-Mar todinha sem parar e sem cair.

Trato com Deus
“É não perder a esperança: essa é a mensagem. Já vi muita gente reclamando da vida, e não sou muito disso não. Tô com 65 anos, hoje trabalho do mesmo jeito… tenho que tirar onda”.
Além disso, sente que “Deus me deu a chance de continuar vivendo” e, como forma de retribuição, aumentou a ajuda a pessoas em vulnerabilidade social. “Isto me fortalece e me deixa feliz nesta vida”, acredita.
Uma das sequelas físicas de Humberto é só poder olhar pra frente. Mas, por dentro, essa é também uma virtude.












