O governo da Holanda anunciou oficialmente a devolução de uma escultura egípcia com mais de 3.500 anos, reconhecendo que a peça foi saqueada durante a Primavera Árabe. A decisão, comunicada no início de novembro de 2025, simboliza uma vitória do Egito na luta pela repatriação de bens culturais e um importante passo no combate ao tráfico internacional de antiguidades.
A devolução ocorre em um contexto global de revisão ética sobre a origem de obras expostas em museus e galerias, reforçando o direito de países de origem sobre seus artefatos históricos.
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Um artefato do Egito Antigo
A peça devolvida é uma escultura de pedra representando um alto funcionário do período do faraó Tutemés III, que governou o Egito entre os anos de 1479 a.C. e 1425 a.C.. Pertencente à era do Novo Império, o objeto reflete o refinamento artístico e o poder administrativo de uma das fases mais prósperas da civilização egípcia.
Segundo especialistas, o artefato foi retirado de um sítio arqueológico há cerca de uma década e chegou ao mercado europeu por meio de rotas ilegais de comércio de antiguidades.
Um roubo no caos da Primavera Árabe
Durante os levantes políticos que ficaram conhecidos como Primavera Árabe, iniciados em 2011, diversos museus e sítios arqueológicos egípcios sofreram saques. A escultura em questão teria sido uma das vítimas desse cenário de desordem, desaparecendo dos registros oficiais do governo egípcio.
A falta de segurança e o enfraquecimento das autoridades de patrimônio abriram caminho para o contrabando de milhares de peças históricas, muitas das quais acabaram em coleções privadas ou vendidas em feiras de arte no exterior.
Como o artefato foi localizado
A descoberta na Holanda
Em 2022, a escultura reapareceu em uma feira internacional de arte em Maastricht, uma das mais prestigiadas da Europa. Durante uma inspeção de rotina, autoridades holandesas notaram inconsistências na documentação da peça.
Após uma investigação detalhada, concluiu-se que o artefato havia sido exportado ilegalmente do Egito. O governo holandês, em cooperação com especialistas em patrimônio cultural e com o apoio da UNESCO, decidiu confiscar a escultura e iniciar o processo de devolução.
A colaboração entre os dois países
O acordo de restituição foi firmado após negociações diplomáticas entre o governo holandês e o Ministério de Antiguidades do Egito. A decisão foi anunciada pelo primeiro-ministro Dick Schoof, que destacou o compromisso da Holanda em corrigir injustiças históricas e impedir o comércio de peças de origem duvidosa.
O objeto será transferido oficialmente à embaixada do Egito nos Países Baixos e, em seguida, levado ao Grande Museu Egípcio, em Gizé, inaugurado recentemente.
A devolução e o simbolismo político
Um gesto de respeito cultural
A devolução de artefatos históricos é cada vez mais vista como um ato de reparação simbólica e diplomática. No caso da escultura egípcia, a iniciativa demonstra respeito pela soberania cultural e pelo direito do Egito de preservar e exibir seu próprio patrimônio.
Ao anunciar a devolução, o governo holandês afirmou que “a cultura mundial pertence a todos, mas cada povo tem o direito de proteger a herança que o define”.
O papel das convenções internacionais
A ação também reforça o cumprimento da Convenção da UNESCO de 1970, que proíbe a importação e exportação ilícita de bens culturais. Esse acordo tem sido fundamental para guiar países europeus na revisão da origem de peças mantidas em museus e coleções particulares.
Nos últimos anos, Holanda, França, Reino Unido e Alemanha têm devolvido artefatos saqueados de países africanos e asiáticos durante guerras e períodos coloniais.
O Egito e a batalha pela repatriação

Recuperação de tesouros perdidos
O Egito intensificou seus esforços diplomáticos para reaver obras saqueadas nos últimos anos. Desde 2020, o país conseguiu recuperar mais de 5 mil artefatos — muitos deles negociados ilegalmente no mercado europeu.
A devolução da escultura de 3.500 anos representa mais um passo em um esforço contínuo de reconstrução da identidade arqueológica nacional, reforçando o prestígio do Egito como berço de uma das civilizações mais antigas do planeta.
O papel do Grande Museu Egípcio
Com a inauguração do Grande Museu Egípcio (GEM), localizado próximo às Pirâmides de Gizé, o país criou um espaço moderno para abrigar e conservar seus tesouros. O museu, considerado o maior do mundo dedicado a uma única civilização, será o novo lar da escultura devolvida.
A escolha do local tem significado simbólico: o objeto retornará à terra dos faraós, agora sob proteção e exibição para o público mundial.
O tráfico de antiguidades e seus impactos
Um mercado bilionário
O comércio ilegal de artefatos arqueológicos movimenta bilhões de dólares anualmente, sendo considerado uma das formas mais lucrativas de crime internacional, ao lado do tráfico de drogas e armas. Peças roubadas de escavações ou museus são vendidas em leilões e galerias, muitas vezes com documentação falsificada.
Casos como o da escultura egípcia expõem as brechas no sistema de rastreamento de obras e a necessidade de maior rigor na verificação da procedência dos itens comercializados.
A responsabilidade dos países compradores
Especialistas em patrimônio cultural afirmam que a devolução da escultura não deve ser vista como um ato isolado, mas como parte de um movimento global de autocrítica dos países detentores de acervos estrangeiros.
A Holanda, assim como outras nações europeias, tem revisado o histórico de peças adquiridas durante períodos coloniais ou de conflito, reconhecendo que muitas foram obtidas de forma questionável.
O futuro da cooperação internacional
Um novo paradigma cultural
A restituição da escultura cria um precedente para futuras ações de devolução de bens culturais. Ela mostra que a cooperação entre governos e instituições pode superar décadas de negligência histórica.
A tendência é que outras nações sigam o exemplo, revisando suas coleções e ampliando a transparência sobre a origem de seus acervos.
A importância da memória e da reparação
Mais do que um gesto político, a devolução de artefatos roubados é uma forma de restaurar a memória coletiva de povos que tiveram seu patrimônio violado. Cada peça recuperada representa um capítulo reescrito da história — e uma reparação simbólica contra o apagamento cultural.
Considerações finais
A devolução da escultura egípcia de 3.500 anos pela Holanda não é apenas um ato diplomático, mas uma vitória ética e cultural. O gesto fortalece a luta global contra o tráfico de arte e reafirma o direito dos povos de proteger seu legado histórico.
Ao retornar ao Egito, a peça não recupera apenas seu valor arqueológico, mas também a dignidade de uma nação que há séculos inspira o mundo com sua herança milenar.
A decisão marca um novo capítulo na política internacional de preservação do patrimônio e reforça a ideia de que o passado não deve ser propriedade de poucos, mas memória compartilhada da humanidade.













