O estelionato sentimental está mais comum do que você imagina
O chamado “golpe do amor falso” tem se tornado cada vez mais comum e está despertando a atenção das autoridades brasileiras. Conhecido no meio jurídico como estelionato sentimental, o crime ocorre quando alguém finge ter um envolvimento afetivo para obter dinheiro, presentes ou benefícios materiais da vítima.
Embora o Código Penal já trate o estelionato como crime contra o patrimônio, o componente emocional torna esses casos ainda mais complexos e difíceis de provar. O tema ganhou força em 2025 com a tramitação de um projeto de lei que pretende tipificar o estelionato sentimental como crime autônomo, com penas mais severas e punições específicas.
Neste artigo, entenda o que caracteriza o golpe do amor falso, quais são suas consequências jurídicas, e como se proteger desse tipo de fraude emocional.
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O que é o estelionato sentimental
O estelionato sentimental é uma modalidade de fraude que utiliza a emoção como ferramenta de manipulação. Diferente de outros tipos de golpe financeiro, nesse caso o criminoso conquista a confiança da vítima por meio de falsas demonstrações de afeto, simulando um relacionamento amoroso para, posteriormente, pedir dinheiro, presentes ou ajuda financeira.
Esse tipo de golpe é comum tanto em relações presenciais quanto em contatos feitos pela internet — especialmente em aplicativos de namoro, redes sociais e plataformas de mensagens. O estelionatário costuma construir uma história convincente, com fotos falsas, detalhes pessoais inventados e promessas de compromisso.
Quando a vítima já está emocionalmente envolvida, começam os pedidos de ajuda: um empréstimo emergencial, uma cirurgia fictícia, problemas com o visto, entre outros pretextos. O objetivo final é sempre o mesmo — obter vantagem econômica através do engano.
Diferença entre estelionato comum e estelionato sentimental
O artigo 171 do Código Penal define o estelionato como o ato de obter vantagem ilícita induzindo alguém ao erro por meio de fraude. No entanto, o estelionato sentimental se destaca por envolver a dimensão afetiva, o que agrava o dano causado.
No golpe do amor falso, a fraude não é apenas patrimonial — ela destrói também a confiança emocional da vítima. Isso faz com que o crime gere não só prejuízos financeiros, mas também traumas psicológicos profundos.
Enquanto o estelionato tradicional costuma ser cometido contra desconhecidos em contextos comerciais ou financeiros, o sentimental é praticado dentro de uma relação de confiança — muitas vezes disfarçada de romance ou amizade íntima.
Onde e como o golpe acontece

Os estelionatários sentimentais agem de diversas formas, mas a internet é o principal meio de atuação. Redes sociais, sites de relacionamento e aplicativos de encontros são usados para criar perfis falsos e iniciar conversas com potenciais vítimas.
Entre as estratégias mais comuns estão:
- Criação de perfis com fotos e nomes falsos;
- Declarações rápidas de amor e envolvimento emocional;
- Promessas de casamento ou mudança de país;
- Solicitação de empréstimos ou transferências “temporárias”;
- Desaparecimento logo após receber o dinheiro.
O golpe também pode acontecer em relacionamentos presenciais. Há casos em que o golpista convive com a vítima por meses, ou até anos, simulando uma relação séria antes de aplicar o golpe financeiro.
Quem são as vítimas mais comuns
Não existe um perfil único de vítima. Homens e mulheres de diferentes idades e classes sociais já foram enganados por golpistas sentimentais. No entanto, especialistas destacam alguns fatores de vulnerabilidade:
- Pessoas que estão emocionalmente fragilizadas (recém-separadas, viúvas ou solitárias);
- Usuários ativos em aplicativos de namoro;
- Indivíduos que buscam validação emocional ou afeto;
- Pessoas com pouca familiaridade com fraudes digitais.
O ponto comum é o envolvimento afetivo genuíno: a vítima acredita que está vivendo um relacionamento verdadeiro e, por isso, não percebe os sinais de manipulação.
Consequências emocionais e financeiras
O golpe do amor falso deixa marcas profundas.
Prejuízo material
Em muitos casos, as vítimas perdem valores significativos, chegando a contrair dívidas ou vender bens pessoais para ajudar o suposto parceiro. Como o estelionatário normalmente desaparece após atingir o objetivo, a recuperação dos recursos é difícil.
Dano psicológico
Além do prejuízo financeiro, o trauma emocional é severo. As vítimas relatam sentimentos de vergonha, humilhação e culpa por terem acreditado nas mentiras. A quebra de confiança e o abalo psicológico podem resultar em depressão, ansiedade e isolamento social.
Dano social e estigma
Muitas vítimas evitam denunciar o crime por medo do julgamento social. Ainda há preconceito e a ideia de que “foi ingenuidade”, o que dificulta o combate à prática.
Casos que chegaram à Justiça
Embora ainda sejam poucos, alguns casos de estelionato sentimental têm sido julgados nos tribunais brasileiros.
Em Minas Gerais, um homem foi condenado a dez anos de prisão após se envolver com uma mulher, prometer casamento e convencê-la a entregar valores expressivos. O juiz entendeu que ele agiu com dolo — ou seja, intenção clara de enganar para lucrar com o relacionamento.
Por outro lado, há decisões que negam o reconhecimento do crime por falta de provas de má-fé inicial. Em alguns casos, os juízes entendem que a relação terminou de forma frustrante, mas sem o propósito de fraude desde o começo.
Essas divergências mostram a dificuldade de comprovar a intenção criminosa em situações que envolvem sentimentos, o que reforça o debate sobre a necessidade de uma lei específica.
O projeto de lei que quer punir o estelionato sentimental
Em 2025, a Câmara dos Deputados começou a discutir o Projeto de Lei 69/2025, que cria o crime autônomo de estelionato sentimental.
O texto propõe pena de três a oito anos de prisão e multa, podendo ser aumentada em até um terço se o golpe for cometido com o uso de perfis falsos, redes sociais ou aplicativos de relacionamento.
Caso a vítima seja idosa ou pessoa em situação de vulnerabilidade, a pena pode chegar a dez anos de prisão.
O projeto também altera a Lei Maria da Penha, reconhecendo o estelionato sentimental como forma de violência psicológica contra mulheres, e o Estatuto do Idoso, para agravar a pena quando o crime for praticado contra idosos.
A proposta já foi aprovada na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Desafios para comprovar o crime
Mesmo com o avanço legislativo, juristas alertam que provar o estelionato sentimental não é simples. É necessário demonstrar que desde o início da relação o autor tinha a intenção de enganar e que os pedidos financeiros não foram feitos de boa-fé.
Mensagens, registros de transferências, conversas e testemunhas podem ajudar a comprovar a fraude. No entanto, a fronteira entre um relacionamento abusivo e um golpe premeditado ainda é tênue.
O que fazer se você for vítima
Quem desconfia ter sido vítima de estelionato sentimental deve agir rapidamente.
- Reúna provas: guarde mensagens, prints de conversas, comprovantes de transferências e qualquer outro registro que mostre a fraude.
- Registre um boletim de ocorrência presencialmente ou online.
- Procure um advogado para orientar sobre os caminhos criminal e civil.
- Busque apoio psicológico, pois o impacto emocional costuma ser intenso.
Além da ação penal, é possível mover um processo civil para solicitar indenização por danos morais e materiais.
Críticas e preocupações sobre a nova lei
Especialistas defendem a importância de criminalizar o estelionato sentimental, mas alertam para riscos de banalização de relações afetivas. Há o receio de que conflitos amorosos comuns, sem dolo comprovado, acabem sendo tratados como crime.
Outro ponto de debate é a capacidade do sistema de Justiça em lidar com o aumento de denúncias e a necessidade de treinamento das autoridades para identificar fraudes reais.
Apesar das divergências, há consenso sobre um ponto: o golpe do amor falso é um problema crescente, que exige tanto conscientização social quanto ferramentas legais adequadas.
Considerações finais
O estelionato sentimental é um golpe que mistura manipulação emocional e fraude financeira. A vítima, envolvida por laços afetivos, torna-se alvo de pessoas que exploram sentimentos para obter ganhos ilícitos.
Enquanto a legislação específica ainda não é aprovada, a recomendação é que todos fiquem atentos aos sinais de manipulação: relacionamentos rápidos demais, promessas exageradas e pedidos financeiros são alertas importantes.
Com informação, prevenção e punição efetiva, o Brasil dá passos para transformar o golpe do amor falso de um tabu silencioso em um crime reconhecido e combatido pela Justiça.

