O caso que trouxe visibilidade nacional
A tentativa frustrada de matricular a filha do goleiro Cássio, ex-Corinthians e atualmente no Cruzeiro, em uma escola particular, trouxe à tona um problema recorrente enfrentado por famílias brasileiras: a resistência de instituições em receber crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O episódio, que ganhou repercussão na mídia, mostrou que mesmo escolas renomadas ainda criam barreiras para a efetivação de matrículas, contrariando legislações que garantem a inclusão. A situação vivida pelo atleta expôs que milhares de famílias passam por dramas semelhantes, em diferentes regiões do país.
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O que a lei diz sobre a matrícula de crianças autistas
Direitos garantidos
A legislação brasileira é robusta no que se refere à inclusão. A Constituição de 1988 reconhece a educação como um direito universal. A Lei 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, estabelece que o autismo deve ser considerado uma deficiência para todos os efeitos legais, assegurando acesso aos mesmos direitos já previstos para outras condições. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, sancionada em 2015, reforça que nenhuma escola pode recusar matrícula de alunos com deficiência, sob pena de responsabilização administrativa e judicial. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional também reforça que todos devem ter acesso à rede regular de ensino, prevendo atendimento educacional especializado quando necessário.
O papel das escolas
As instituições de ensino, públicas ou privadas, têm obrigação legal de aceitar a matrícula de crianças com TEA. Além disso, devem garantir adaptações pedagógicas, oferecer acompanhamento individualizado e, quando houver necessidade, disponibilizar professores de apoio ou mediadores em sala de aula. O descumprimento dessas obrigações não é apenas uma falha pedagógica, mas também uma violação de direitos.
As barreiras enfrentadas pelas famílias

Recusa direta
Algumas escolas ainda praticam a recusa explícita, afirmando não ter estrutura para atender alunos com autismo. Essa prática é ilegal e discriminatória, mas continua acontecendo, muitas vezes por falta de fiscalização ou pelo desconhecimento das famílias em relação à legislação.
Resistência indireta
Mais comum do que a recusa aberta é a exclusão velada. Muitas instituições alegam que não há vagas disponíveis, sugerem outras escolas “mais adequadas” ou impõem burocracias extras, como laudos específicos ou entrevistas prolongadas com psicopedagogos, o que acaba dificultando ou desestimulando os pais a insistirem na matrícula.
Realidade da rede privada
Em escolas particulares, a dificuldade frequentemente é atribuída ao custo da inclusão. A contratação de mediadores ou a adaptação de métodos pedagógicos são vistas como despesas adicionais. Em alguns casos, gestores tentam transferir essa responsabilidade para os pais, cobrando valores extras ou exigindo que eles mesmos contratem profissionais de apoio.
Limitações da rede pública
Na rede pública, a matrícula costuma ser garantida, mas o atendimento é prejudicado pela falta de recursos e de profissionais especializados. Muitos pais relatam que, embora os filhos frequentem a escola, não recebem suporte adequado, o que limita o aprendizado e prejudica a convivência escolar.
Impactos emocionais e sociais
A dor e a frustração dos pais
Pais que enfrentam dificuldades para matricular seus filhos autistas relatam sentimentos de impotência, injustiça e desamparo. Muitos descrevem a situação como desgastante e dolorosa, já que além do cuidado diário, precisam travar batalhas constantes para garantir direitos básicos.
Consequências para as crianças
Quando o acesso à escola é negado ou dificultado, as crianças sofrem não apenas com a interrupção do aprendizado acadêmico, mas também com a falta de socialização. O ambiente escolar é um espaço fundamental para o desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e cognitivas, e a exclusão pode comprometer o desenvolvimento integral.
Reflexos para a sociedade
A dificuldade de inclusão escolar de crianças autistas gera impactos que vão além das famílias. Quando uma parte da população não tem acesso pleno à educação, toda a sociedade perde em diversidade, convivência e preparação para a vida em comunidade.
A importância da inclusão escolar
Desenvolvimento acadêmico e social
A escola é o primeiro espaço de socialização fora da família. Para crianças com TEA, a inclusão escolar representa não apenas acesso ao conhecimento formal, mas também oportunidades de desenvolver autonomia, habilidades de convivência e aprendizado em grupo.
Redução do preconceito
Conviver com colegas autistas desde cedo contribui para a construção de uma sociedade mais inclusiva. Crianças neurotípicas aprendem sobre respeito, empatia e diversidade, valores fundamentais para uma cultura menos excludente.
Benefícios coletivos
A presença de crianças autistas nas salas de aula traz ganhos não apenas para elas, mas também para professores e colegas, que passam a ter contato com diferentes formas de pensar e aprender. Esse processo enriquece o ambiente escolar e fortalece o sentido de comunidade.
O papel dos profissionais da educação
Formação continuada
A capacitação docente é uma das maiores demandas para efetivar a inclusão. Professores precisam receber treinamento constante em metodologias adaptadas e estratégias pedagógicas que atendam à diversidade dos alunos.
Mediadores e profissionais de apoio
Em muitos casos, o acompanhamento de um mediador escolar é fundamental para a criança com TEA. Esse profissional atua como ponte entre o estudante, os colegas e os professores, facilitando a aprendizagem e a socialização.
Gestão escolar inclusiva
A postura de diretores e coordenadores influencia diretamente no sucesso da inclusão. Gestores comprometidos conseguem organizar recursos, apoiar professores e conscientizar a comunidade escolar sobre a importância de acolher a diversidade.
Caminhos para superar os desafios
Fortalecer a fiscalização
É necessário que órgãos públicos atuem com rigor para coibir práticas discriminatórias. Denúncias devem ser encaminhadas ao Ministério Público, conselhos tutelares e secretarias de educação, para garantir que os direitos sejam cumpridos.
Políticas públicas efetivas
A inclusão exige investimentos em capacitação docente, contratação de mediadores, melhoria na infraestrutura das escolas e acompanhamento constante do processo educacional das crianças com TEA.
Conscientização da sociedade
Mais do que políticas, a mudança depende de uma transformação cultural. É preciso combater o preconceito e disseminar a compreensão de que inclusão não é um favor, mas um direito assegurado por lei.
Exemplos de boas práticas
Apesar dos desafios, algumas escolas já implementam projetos bem-sucedidos de inclusão. Iniciativas como capacitação de professores, criação de salas de recursos multifuncionais e campanhas de conscientização junto aos alunos têm mostrado resultados positivos. Esses exemplos servem de inspiração para que outras instituições sigam o mesmo caminho.
Considerações finais
O caso da filha do goleiro Cássio expôs publicamente uma realidade que milhares de famílias vivem em silêncio: a dificuldade de matricular crianças autistas em escolas brasileiras. Embora o país disponha de uma legislação avançada, a prática mostra que ainda há um longo caminho para a efetivação da inclusão.
Garantir acesso à escola regular para crianças com TEA é mais do que cumprir a lei, é assegurar dignidade, respeito e oportunidade de desenvolvimento integral. A inclusão é uma responsabilidade compartilhada entre poder público, instituições de ensino, profissionais e sociedade. Quanto mais cedo esse compromisso for assumido por todos, mais próximo estaremos de uma educação verdadeiramente inclusiva.













