A guarda como campo de batalha emocional
Quando um relacionamento chega ao fim e há filhos envolvidos, o que deveria ser uma reorganização da vida familiar pode se transformar em um ambiente de tensão e sofrimento emocional. A disputa pela guarda, especialmente quando levada aos tribunais, tem impactos profundos na saúde mental dos pais, mas, sobretudo, das crianças.
Mais do que uma questão legal, a guarda envolve vínculos afetivos, rotinas, estabilidade emocional e o direito de crescer em um ambiente saudável. Quando a criança é colocada no centro de um conflito, ela se torna, ainda que involuntariamente, parte de uma disputa que deveria ser conduzida com empatia e responsabilidade.
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O crescimento das disputas judiciais de guarda
A guarda compartilhada como regra legal
Desde 2014, com a entrada em vigor da Lei nº 13.058, a guarda compartilhada passou a ser a forma prioritária em decisões judiciais, mesmo quando os pais não chegam a um consenso. Na teoria, essa regra busca equilibrar a convivência familiar e proteger o vínculo com ambos os genitores.
Litígios ainda são frequentes
Apesar da legislação, muitas separações acabam em litígios judiciais que se arrastam por meses ou anos. Laudos psicológicos, escutas especializadas e perícias tornam-se parte da rotina familiar, o que intensifica o estresse e a exposição emocional da criança.
Dados preocupantes
Pesquisas apontam que crianças envolvidas em disputas litigiosas têm mais probabilidade de apresentar sintomas de ansiedade, queda no desempenho escolar e dificuldade para estabelecer relações saudáveis no futuro.
Efeitos da disputa de guarda na saúde mental infantil

O impacto emocional da instabilidade
A incerteza em relação a onde e com quem vai viver, ou como será sua rotina, pode provocar um sentimento de insegurança muito grande na criança. A instabilidade emocional pode se manifestar em diferentes formas.
Sinais comuns
- Transtornos de ansiedade
- Tristeza ou irritabilidade persistente
- Problemas no sono e na alimentação
- Regressão comportamental, como voltar a chupar dedo ou fazer xixi na cama
Quando há alienação parental
Em alguns casos, um dos responsáveis tenta desqualificar o outro na frente da criança ou dificulta sua convivência com o outro genitor. Essa prática, conhecida como alienação parental, causa feridas emocionais profundas e pode afetar a identidade e autoestima da criança.
Consequências da alienação
- Sentimentos de culpa
- Confusão sobre seus próprios afetos
- Raiva internalizada ou externalizada
- Distanciamento afetivo do genitor alienado
Como os pais são afetados emocionalmente

Estresse e exaustão psicológica
Pais que enfrentam longas disputas judiciais pela guarda muitas vezes relatam níveis elevados de estresse, ansiedade, depressão e desgaste emocional. A batalha constante, audiências sucessivas e incertezas quanto ao desfecho interferem diretamente no bem-estar psíquico.
Impacto na parentalidade
O cansaço emocional pode afetar a forma como o pai ou a mãe lida com os filhos. A impaciência, o desânimo ou até a ausência de iniciativa para criar momentos de afeto são reflexos de um esgotamento que se estende além do processo judicial.
Perda de vínculo com o filho
Em casos onde a criança passa a residir predominantemente com o outro genitor, o afastamento físico e a sensação de impotência podem levar o responsável a se sentir excluído da vida do filho, o que contribui para quadros depressivos.
O papel dos profissionais da saúde mental

Psicólogos e assistentes sociais na mediação
Durante o processo de guarda, é comum que o Judiciário convoque psicólogos para auxiliar na avaliação das condições emocionais dos envolvidos. Eles podem orientar as famílias a reduzir conflitos e priorizar o bem-estar da criança.
A importância da escuta qualificada
É essencial que a criança seja ouvida de forma adequada, por meio da escuta especializada, com acolhimento e neutralidade. O objetivo não é levá-la a escolher um lado, mas compreender como ela está vivenciando a separação e as mudanças em sua rotina.
Terapia como apoio para todos
O acompanhamento psicológico para crianças, pais e, em alguns casos, para o núcleo familiar ampliado, como avós, pode ser fundamental para minimizar os impactos emocionais do conflito e promover a restauração de vínculos afetivos.
Boas práticas para mitigar os danos
Evitar expor a criança ao conflito
As conversas sobre o processo, desentendimentos entre os pais ou críticas mútuas nunca devem ocorrer na presença da criança. Preservar sua saúde emocional significa também protegê-la do conteúdo agressivo que não diz respeito a ela.
Cumprir acordos e horários
Respeitar dias de visita, horários combinados e períodos de férias é uma forma de oferecer previsibilidade à criança, algo que ela necessita para sentir-se segura. A previsibilidade contribui para sua estabilidade emocional.
Estimular o afeto com o outro genitor
Mesmo em situações de desentendimento entre os pais, é importante que a criança não se sinta impedida de demonstrar carinho por ambos. Os filhos têm o direito de amar mãe e pai livremente, sem culpa ou julgamento.
Quando o processo de guarda vira violência psicológica
A manipulação como forma de abuso
Existem casos em que a disputa de guarda ultrapassa o campo jurídico e se torna um instrumento de retaliação ou manipulação emocional. Essa dinâmica se configura como uma forma de violência psicológica, inclusive podendo configurar abuso emocional da criança.
Consequências de longo prazo
Se não forem tratadas, as experiências vividas por uma criança em um ambiente de disputa constante podem refletir na vida adulta, gerando dificuldades nos relacionamentos, baixa autoestima, depressão e até transtornos de personalidade.
Caminhos para uma resolução mais saudável
Mediação familiar como alternativa
A mediação familiar é um recurso que vem sendo cada vez mais incentivado como uma forma de resolver disputas sem o desgaste de longos processos judiciais. Com o auxílio de um mediador, os pais constroem soluções dialogadas, priorizando o melhor interesse da criança.
Planejamento da parentalidade pós-separação
Quando há maturidade emocional, os pais podem elaborar um plano parental que defina regras claras de convivência, educação, saúde e lazer. Esse documento é uma forma de assegurar o bem-estar dos filhos sem precisar judicializar cada decisão.
Considerações finais
Disputas judiciais pela guarda de filhos não devem ser vistas como embates a serem vencidos, mas como momentos de redefinição familiar em que o foco deve ser o bem-estar da criança. Quando os adultos colocam suas mágoas e ressentimentos à frente das necessidades dos filhos, criam um ambiente nocivo que afeta profundamente o desenvolvimento emocional das crianças.
Buscar soluções pacíficas, com apoio de profissionais da saúde e da justiça, é o caminho mais adequado para garantir que a criança atravesse esse processo com o menor sofrimento possível. Afinal, o vínculo familiar é construído com afeto, segurança e cuidado – e não com disputas.












