A medicina moderna não para de surpreender. Entre as técnicas mais impressionantes da oftalmologia está a chamada osteoodontoqueratoprótese (OOKP), popularmente conhecida como “cirurgia de dente no olho”. O procedimento consiste em usar parte de um dente do próprio paciente para implantar uma lente ocular e, assim, devolver a visão em casos graves de cegueira causados por danos irreversíveis na córnea.
Recentemente, a técnica voltou a ganhar destaque internacional após um caso no Canadá, em que um homem recuperou parcialmente a visão depois de décadas vivendo na escuridão. O sucesso trouxe novas discussões sobre o potencial da cirurgia, suas limitações e os desafios para torná-la acessível a mais pacientes.
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O que é a cirurgia de “dente no olho”
Origem e desenvolvimento
A OOKP foi criada nos anos 1960 pelo cirurgião italiano Benedetto Strampelli e, ao longo das décadas, passou por aperfeiçoamentos. Hoje, segue protocolos mais seguros, como o chamado “Roma-Viena”, utilizado em diversos centros especializados.
Indicação principal
O procedimento é indicado para casos extremos de cegueira corneana, quando transplantes convencionais não funcionam. Entre as situações mais comuns estão queimaduras químicas, traumas graves, infecções ou doenças autoimunes que destroem a superfície do olho.
Como funciona
A técnica utiliza um dente do próprio paciente, geralmente um canino, retirado com um fragmento de osso. Esse conjunto é perfurado para receber uma pequena lente artificial. O dente funciona como suporte biológico e, após ser preparado, é implantado no olho, permitindo que a luz volte a atravessar até a retina.
Etapas do procedimento

Preparação do dente
O primeiro passo é extrair o dente escolhido, que será modelado para receber a lente. Esse suporte é cuidadosamente trabalhado para garantir resistência e compatibilidade.
Fase de vascularização
Antes de ser colocado no olho, o conjunto “dente + lente” é implantado temporariamente embaixo da pele da bochecha do paciente. O objetivo é estimular o crescimento de vasos sanguíneos e permitir que o material se integre ao corpo. Esse processo pode levar semanas.
Implantação ocular
Na etapa final, o implante é retirado da bochecha e fixado na região da córnea. A lente, sustentada pelo dente, cria uma nova janela transparente para a entrada de luz, restabelecendo o caminho visual.
Recuperação e acompanhamento
A reabilitação é gradual. O paciente precisa de acompanhamento oftalmológico frequente, uso contínuo de colírios e adaptação à nova condição visual. A visão restaurada costuma permitir identificar formas, luzes e movimentos, melhorando de forma significativa a qualidade de vida.
Casos recentes que chamaram atenção
O paciente canadense
Brent Chapman, de 34 anos, perdeu a visão após uma série de complicações e passou por dezenas de procedimentos sem sucesso. Ao ser submetido à OOKP, conseguiu recuperar parte da visão, o que representou uma transformação em sua rotina. O caso ganhou repercussão mundial e reacendeu o interesse na técnica.
Resultados documentados
Estudos apontam que entre 70% e 80% dos pacientes submetidos à OOKP conseguem algum grau de recuperação funcional. A eficácia, no entanto, depende do estado da retina e do nervo óptico, estruturas essenciais para o processamento da visão.
Benefícios da técnica
Última alternativa em casos graves
A cirurgia de “dente no olho” oferece esperança a quem já havia perdido todas as opções. Quando transplantes de córnea falham ou não podem ser realizados, a OOKP surge como única alternativa para recuperar a visão.
Menor risco de rejeição
Como o suporte é feito com tecido do próprio paciente, a chance de rejeição é muito menor do que em implantes totalmente artificiais.
Durabilidade do implante
Estudos de longo prazo mostram que, quando bem-sucedido, o procedimento pode manter resultados por muitos anos, desde que haja acompanhamento médico adequado.
Riscos e limitações
Possíveis complicações
Entre os riscos estão infecções, rejeição da lente, glaucoma, sangramentos e dores durante o processo de cicatrização. Também há possibilidade de falhas na integração do implante.
Resultados variáveis
Nem todos os pacientes conseguem recuperar a visão de forma satisfatória. A técnica depende da integridade da retina e do nervo óptico. Se essas estruturas estiverem danificadas, a melhora visual pode ser mínima.
Processo longo e caro
O tratamento é complexo, exige várias cirurgias e acompanhamento prolongado. Além disso, o custo é alto, o que dificulta o acesso em muitos países.
Quem pode ser candidato à cirurgia
Critérios de seleção
O candidato ideal é o paciente com cegueira corneana irreversível, mas que ainda apresente retina e nervo óptico funcionais. Também é necessário ter um dente saudável para servir de suporte ao implante.
Exames necessários
Antes da cirurgia, são realizados exames oftalmológicos detalhados, avaliação odontológica e testes de saúde geral para verificar se o paciente suporta o procedimento.
Contraindicações
A OOKP não é indicada para quem tem doenças que comprometem a retina ou o nervo óptico, infecções ativas nos olhos ou condições médicas que dificultem a cicatrização.
Avanços e perspectivas futuras
Melhoria dos protocolos
Pesquisadores trabalham em versões aprimoradas do procedimento, utilizando novos materiais e técnicas para reduzir riscos e aumentar a durabilidade do implante.
Expansão da técnica
Casos bem-sucedidos têm estimulado centros médicos em diferentes países a oferecer a cirurgia, embora ainda seja considerada rara e realizada apenas por equipes altamente especializadas.
Acesso e desigualdade
O principal desafio é tornar a técnica acessível fora de grandes centros médicos. O custo elevado e a complexidade cirúrgica limitam a quantidade de pacientes que podem ser beneficiados.
Impacto social e humano
Transformação da qualidade de vida
Mesmo que a visão recuperada não seja perfeita, a possibilidade de enxergar novamente traz independência, melhora na mobilidade e maior inclusão social.
Expectativas realistas
É fundamental que pacientes entendam as limitações do procedimento. Em muitos casos, a visão retornada permite reconhecer rostos, identificar obstáculos e perceber luzes, mas não garante leitura ou visão detalhada.
O valor da esperança
Para quem vive anos sem enxergar, qualquer grau de recuperação pode significar uma revolução pessoal. A OOKP mostra que a medicina pode transformar histórias e devolver perspectivas antes consideradas impossíveis.
Considerações finais
A cirurgia de “dente no olho” é um dos maiores exemplos de criatividade e ousadia na medicina. Usando um dente como suporte para uma lente ocular, médicos conseguem devolver a visão em casos de cegueira irreversível da córnea. Apesar de complexa, cara e restrita a poucos centros, a técnica já mudou a vida de muitos pacientes e continua sendo estudada para se tornar mais segura e acessível.
Com os avanços contínuos da ciência, é possível que, no futuro, procedimentos inspirados na OOKP se tornem mais comuns e ajudem ainda mais pessoas a sair da escuridão para reencontrar a luz.


