Pesquisas recentes estão mudando a forma como compreendemos o comportamento e a inteligência dos cães. Muito além de reconhecer rostos, cheiros e comandos, alguns animais demonstram habilidades cognitivas avançadas, capazes de associar palavras à função dos objetos e não apenas à sua forma.
Um grupo de cientistas da Universidade Eötvös Loránd, na Hungria, descobriu que certos cães considerados “superdotados” conseguem compreender o significado funcional das palavras. Em vez de decorar o nome de um brinquedo, eles identificam o que ele faz. Essa capacidade sugere uma forma de raciocínio mais abstrata, semelhante à de crianças pequenas.
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O estudo que revelou cães “superdotados”
A pesquisa foi conduzida com sete cães que já se destacavam por reconhecer dezenas de nomes de brinquedos. Seis eram Border Collies e um era da raça Blue Heeler. Esses animais participavam de experimentos cognitivos por apresentarem uma habilidade incomum: aprender e lembrar palavras com facilidade.
Durante os testes, os pesquisadores apresentaram aos cães brinquedos novos com funções semelhantes a outros já conhecidos. Por exemplo, se o animal estava acostumado a brincar de puxar uma corda chamada “tug”, ele recebia outro objeto com a mesma função, mas aparência diferente. Mesmo assim, ao ouvir o comando, o cão selecionava corretamente o novo brinquedo.
Os resultados mostraram que esses animais não se baseavam apenas na aparência visual do objeto, mas entendiam sua função. Em outras palavras, sabiam o que ele fazia.
Função versus forma: uma distinção essencial
A maioria dos cães reconhece um brinquedo pelo formato, cor ou textura. No entanto, os cães superdotados foram capazes de compreender o propósito do objeto. Essa diferença é significativa, pois demonstra um tipo de cognição associativa mais elaborada.
Os cientistas chamam esse fenômeno de extensão funcional de rótulo, algo raramente observado fora da espécie humana. É como se o cão conseguisse criar uma categoria mental, agrupando objetos de acordo com sua utilidade e não apenas pela aparência.
Essa habilidade de abstração é considerada um marco evolutivo. Até agora, acreditava-se que apenas crianças humanas em idade pré-escolar conseguiam associar palavras a conceitos funcionais.
O que torna esses cães especiais

Os pesquisadores ressaltam que essa capacidade não é comum entre todos os cães. A maioria aprende por repetição e associações simples — por exemplo, “bola” é o objeto redondo que rola. Já os cães superdotados demonstram um raciocínio que envolve compreensão de contexto e significado.
Acredita-se que o ambiente desempenha papel importante nesse desenvolvimento. Tutores que interagem frequentemente, nomeiam brinquedos e incentivam brincadeiras variadas ajudam a estimular o aprendizado e a memória dos animais. Esse tipo de convivência pode favorecer o surgimento de habilidades cognitivas mais complexas.
Como o cérebro canino processa informações
Estudos de neuroimagem com cães treinados para permanecer imóveis em ressonâncias magnéticas mostram que eles ativam áreas cerebrais semelhantes às humanas quando ouvem palavras familiares. Essas regiões estão ligadas ao processamento de sons e reconhecimento de padrões linguísticos.
No caso dos cães superdotados, acredita-se que há uma integração maior entre memória auditiva e percepção funcional. Isso significa que o cérebro não apenas associa o som da palavra ao objeto, mas também ao comportamento relacionado a ele — como buscar, puxar ou morder.
Implicações para o entendimento da cognição animal
A descoberta amplia o entendimento sobre como os cães pensam e aprendem. Em vez de simples imitadores de comandos, eles se mostram capazes de compreender intenções e contextos. Isso reforça a ideia de que a convivência com humanos ao longo de milhares de anos moldou um tipo de inteligência social e comunicativa única.
Além disso, o estudo pode ajudar a desenvolver novas formas de adestramento, baseadas na compreensão funcional e não apenas na repetição. Essa abordagem pode tornar o aprendizado mais natural e prazeroso para o animal.
Como estimular a inteligência funcional do seu cão
Embora apenas alguns cães apresentem habilidades cognitivas excepcionais, qualquer tutor pode estimular o raciocínio e a memória do pet. Veja algumas estratégias recomendadas por especialistas:
Nomeie objetos e ações
Ao brincar com seu cão, fale o nome do brinquedo e a ação que ele executa. Diga, por exemplo, “buscar a bola” ou “puxar a corda”. Isso ajuda o animal a associar palavras a funções específicas.
Varie brinquedos e contextos
Use objetos diferentes com a mesma função para reforçar o conceito de generalização. Brincar com bolas de tamanhos e cores variados, por exemplo, ensina o cão a reconhecer a ação de “buscar”, e não apenas o objeto em si.
Reforce positivamente o aprendizado
Sempre que o cão realizar corretamente uma ação ou identificar um objeto, recompense-o com carinho, petiscos ou elogios. A associação positiva fortalece a memória e o aprendizado.
Estimule desafios mentais
Jogos de inteligência, esconderijos com recompensas e comandos novos mantêm o cérebro do cão ativo e melhoram sua capacidade de resolver problemas.
O que ainda precisa ser estudado
Apesar dos resultados promissores, a pesquisa envolveu poucos cães, o que limita as conclusões. Os cientistas acreditam que novas investigações com amostras maiores poderão revelar se essa capacidade está presente em mais raças ou se depende de fatores genéticos e ambientais.
Outro ponto em aberto é entender como o cérebro canino organiza os significados. Os estudos atuais sugerem que o aprendizado ocorre de maneira similar à das crianças, mas ainda faltam evidências neurocientíficas mais precisas.
Além disso, os pesquisadores buscam descobrir se esses cães conseguem aplicar esse tipo de raciocínio a situações mais complexas, como comandos compostos ou objetos com múltiplas funções.
A importância dessa descoberta
O estudo da Universidade Eötvös Loránd representa um avanço importante na ciência animal. Ele mostra que a inteligência canina é mais sofisticada do que o senso comum imagina. Esses cães “superdotados” são um exemplo de como a convivência com humanos pode desenvolver capacidades cognitivas surpreendentes.
Para tutores, a mensagem é clara: interação, paciência e estímulo mental fazem diferença. Mesmo que seu cão não memorize dezenas de palavras, ele pode compreender muito mais do que você imagina — especialmente quando há afeto e comunicação envolvida.
Considerações finais
Cães são animais altamente sociais e atentos ao comportamento humano. Alguns, porém, vão além: conseguem interpretar o mundo de forma funcional, reconhecendo o propósito dos objetos e das ações. Essa descoberta desafia fronteiras entre o aprendizado animal e o humano, e mostra que a linguagem, mesmo que rudimentar, pode estar mais presente no reino animal do que se pensava.
Estimular o raciocínio, falar com os cães e oferecer experiências variadas são formas de ampliar essa conexão. Afinal, entender o que seu cão “pensa” talvez esteja mais perto da realidade do que parece — e ele pode estar compreendendo muito mais do que apenas o som da sua voz.













