Profissionais buscam emprego durante o expediente e revelam crise silenciosa nas empresas

A nova realidade do expediente duplo: trabalhar e buscar emprego ao mesmo tempo
A cena é mais comum do que se imagina: funcionários que, em meio a planilhas abertas e reuniões online, estão simultaneamente em plataformas de emprego, atualizando seus currículos ou respondendo a recrutadores. Esse comportamento tem nome: ghostworking, e ele está se tornando um fenômeno recorrente nas empresas brasileiras.
Em um cenário de transformações aceleradas no mercado de trabalho, a prática de procurar uma nova colocação durante o próprio expediente reflete o descompasso entre expectativas profissionais e o ambiente organizacional. Mais do que uma questão de ética ou produtividade, o ghostworking revela sintomas de uma crise estrutural no modelo atual de trabalho.
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O que é ghostworking?
A origem do termo e seu significado
O termo “ghostworking” pode ser traduzido como “trabalho fantasma”, mas neste contexto ele se refere a pessoas que mantêm a aparência de estarem engajadas nas tarefas do dia a dia enquanto, discretamente, estão em busca de outro emprego. Essa busca pode incluir: atualização de currículos em tempo real, participação em processos seletivos virtuais, agendamento de entrevistas usando horários de folga ou até “atestados estratégicos”, respostas a e-mails de recrutadores durante reuniões internas. Mais do que fingir produtividade, trata-se de um comportamento que revela desalento com o trabalho atual e a urgência de mudança.
Uma tendência silenciosa, mas crescente
De acordo com pesquisas recentes, quase 9 em cada 10 profissionais já procuraram ativamente novas vagas durante o expediente. A facilidade oferecida pelos modelos híbridos e remotos, somada à cultura da multitarefa, tornou essa prática comum — e até difícil de ser detectada pelas lideranças.
O que motiva os profissionais a procurarem outra vaga no horário de trabalho?

Insegurança no emprego atual
Com constantes reestruturações, fusões, automações e demissões em massa, cresce o sentimento de instabilidade. Funcionários buscam uma “rede de segurança” e tentam garantir um plano B antes que o pior aconteça.
Falta de valorização e reconhecimento
Muitos profissionais se sentem invisíveis dentro das empresas. A ausência de feedback, oportunidades de crescimento e valorização pelo desempenho leva ao esvaziamento do propósito — e isso motiva a busca por novos caminhos.
Sobrecarga e esgotamento emocional
O burnout, reconhecido como doença ocupacional, também impulsiona o ghostworking. A falta de equilíbrio entre vida pessoal e profissional, aliada a metas desumanas, faz com que procurar outro emprego se torne uma forma de autopreservação.
Como o ghostworking acontece na prática
Táticas discretas que mascaram a busca
Funcionários que praticam o ghostworking costumam adotar estratégias que mantêm a aparência de normalidade, como abrir várias abas no navegador, alternando entre trabalho e vagas, agendar entrevistas como se fossem reuniões de rotina, usar e-mails pessoais no celular para se comunicar com recrutadores, simular atividades para não levantar suspeitas (como movimentar o mouse ou enviar mensagens automáticas em chats corporativos).
A rotina invisível do expediente duplo
Enquanto produzem relatórios ou participam de videoconferências, muitos estão, na verdade, negociando salários, enviando testes técnicos ou ajustando seus portfólios. Para esses profissionais, o expediente virou uma arena silenciosa de transição.
Quais são os impactos do ghostworking para as empresas?
Queda no desempenho real
Embora o profissional mantenha a “presença virtual” e evite levantar suspeitas, a produtividade efetiva cai. Projetos são entregues com menos qualidade, decisões perdem profundidade e a colaboração enfraquece.
Aumento da rotatividade e instabilidade de equipes
Quando muitos colaboradores estão em processo de transição, as equipes se tornam instáveis, dificultando o planejamento estratégico e gerando sobrecarga para quem permanece.
Erosão do clima organizacional
A prática do ghostworking também indica uma desconexão emocional com a empresa. Essa ruptura cria um ambiente de desconfiança, em que os gestores passam a vigiar mais, e os funcionários a esconder mais — um ciclo que mina a confiança mútua.
O ghostworking como sintoma (não como vilão)
Um alerta para a liderança
Ao invés de enxergar o ghostworking apenas como “traição corporativa”, especialistas em gestão recomendam que as lideranças o encarem como um termômetro da cultura organizacional. Onde há fuga, há dor. E onde há dor, há oportunidade de melhoria.
Cultura de comando e controle está em declínio
O modelo de liderança baseado em vigilância, microgestão e metas numéricas sem sentido está sendo desafiado por um novo perfil de trabalhador, que valoriza propósito, bem-estar e flexibilidade. Onde essas necessidades não são atendidas, o ghostworking surge.
Como prevenir o ghostworking nas organizações
Promova diálogo aberto e transparente
Ambientes onde os profissionais sentem que podem falar sobre suas frustrações sem medo de represálias tendem a ter menos evasão silenciosa.
Invista em planos de carreira reais
A construção de trajetórias claras dentro da empresa reduz a necessidade de buscar crescimento fora. A promoção interna, quando justa e bem comunicada, é um poderoso antídoto contra o ghostworking.
Estabeleça metas com propósito
Evite impor tarefas meramente operacionais ou desconectadas dos objetivos da empresa. Pessoas engajadas em missões significativas têm menos vontade de fugir.
Ofereça escuta ativa e reconhecimento
Bônus e promoções são importantes, mas reconhecimento também vem de gestos, palavras e atitudes cotidianas. Demonstrar apreço pelo esforço de alguém é simples e pode ser decisivo.
O futuro do trabalho exige ressignificação
A era do engajamento superficial
O ghostworking é o espelho de uma época em que muitos estão presentes fisicamente, mas distantes emocionalmente. Isso revela a urgência de ressignificar as relações no ambiente corporativo: mais humanas, mais transparentes e mais baseadas em confiança.
Não se trata de vigilância, mas de escuta
Ferramentas que rastreiam produtividade apenas mascaram o problema. O desafio real está em criar vínculos autênticos, capazes de manter o talento engajado — não por medo de ser demitido, mas por desejo de crescer junto.
Considerações finais
O crescimento do ghostworking sinaliza uma mudança de paradigma no mercado de trabalho. Funcionários estão menos dispostos a aceitar condições ruins por lealdade cega, e mais inclinados a buscar alternativas, mesmo que discretamente. Para as empresas, o recado é claro: investir em clima organizacional, propósito e desenvolvimento humano deixou de ser opcional. Ignorar esse novo cenário pode resultar não apenas em perda de talentos, mas em um ambiente onde todos estão — mas ninguém realmente está.

