Enquanto em muitos países a Páscoa é sinônimo de ovos de chocolate, coelhos e caças festivas, na Suécia a tradição toma um rumo bastante peculiar. Lá, é comum ver crianças fantasiadas de bruxas andando pelas ruas, batendo de porta em porta, desejando uma feliz Páscoa aos vizinhos — muitas vezes trocando cartões artesanais por doces.
Essa tradição centenária, chamada de påskkärringar, mistura elementos do folclore escandinavo com a celebração cristã da Semana Santa, criando um ritual cultural único e fascinante.
Leia Mais:
Dinheiro e signos de terra: como Touro, Virgem e Capricórnio lidam com finanças
As raízes históricas da tradição sueca
As bruxas e o folclore nórdico
A origem das påskkärringar remonta a antigas lendas suecas. Segundo o imaginário popular, acreditava-se que, durante a Semana Santa, bruxas cavalgavam em suas vassouras rumo a uma montanha mística chamada Blåkulla, onde se encontravam com o diabo e participavam de sabás profanos.
Esse mito de “viagens noturnas” das bruxas tornou-se tão difundido que, entre os séculos XVII e XVIII, provocou perseguições reais na Escandinávia, resultando em julgamentos e condenações de mulheres acusadas de bruxaria.
Do medo ao folclore infantil
Com o passar dos séculos, a imagem da bruxa se transformou. De símbolo temido, ela foi ressignificada em figura caricata e inofensiva, incorporando-se às festividades da Páscoa. A prática de se vestir de bruxa começou a ser transmitida entre gerações, especialmente como uma brincadeira entre crianças.
Como é celebrada a Páscoa na Suécia
A fantasia das crianças: como são os trajes?
Durante a Quinta-feira Santa (Skärtorsdagen) ou o Sábado de Aleluia (Påskafton), meninas e meninos se fantasiam com lenços coloridos amarrados na cabeça, saias longas, aventais, bochechas coradas e sardas pintadas no rosto. A ideia é recriar a figura da velha bruxa rural, um personagem presente no imaginário sueco há séculos.
A troca de doces e cartões
De casa em casa, os pequenos entregam cartões ilustrados à mão — muitas vezes com desenhos de galinhas, flores ou, claro, bruxas — e em troca recebem doces, frutas ou moedas. A dinâmica lembra o Halloween em países como os Estados Unidos, embora sem a temática sombria ou as fantasias assustadoras.
Aspectos culturais e simbólicos da tradição

Decorações de primavera e símbolos pascais
Além das fantasias, o período da Páscoa na Suécia é marcado por enfeites com plumas coloridas presas a galhos secos, uma decoração conhecida como påskris. Essas cores vibrantes, espalhadas pelas casas e praças, simbolizam o renascimento da natureza e a chegada da primavera.
Os ovos — também decorados à mão — continuam sendo elementos centrais, não apenas como símbolo cristão da ressurreição, mas como representação da fertilidade e da luz que retorna após o inverno escuro.
Comidas típicas da temporada
Durante o feriado, famílias suecas se reúnem para compartilhar pratos tradicionais como arenque em conserva, salmão defumado, ovos recheados e påskmust — uma bebida gaseificada e adocicada, semelhante ao refrigerante, consumida exclusivamente na Páscoa.
Regionalidades e adaptações locais
Embora a tradição das bruxas da Páscoa seja comum em toda a Suécia, há variações regionais interessantes. Em algumas cidades do sul, o costume é celebrado com mais intensidade, enquanto no norte, por influência da cultura indígena sami, os rituais são menos expressivos ou substituídos por outras práticas religiosas.
Em zonas urbanas, há também quem adapte a tradição para contextos modernos, com crianças acompanhadas pelos pais em condomínios ou escolas, promovendo a celebração em segurança e com envolvimento comunitário.
Comparações internacionais: Páscoa no mundo e Halloween
Semelhanças com o Halloween
A prática sueca guarda semelhanças curiosas com o Halloween norte-americano. Ambos envolvem fantasias, interação com vizinhos e distribuição de doces. A grande diferença está na temática: enquanto o Halloween gira em torno do macabro, a tradição sueca se apoia no lúdico e no afeto entre vizinhos.
Finlândia e Noruega: tradições semelhantes
Na Finlândia, crianças também se vestem de bruxas na Páscoa, levando ramos decorados e recitando versos curtos em troca de guloseimas. Na Noruega, existe até um gênero televisivo chamado Påskekrim, dedicado a histórias de mistério e crimes exibidas durante a Semana Santa.
A relevância contemporânea da tradição
Manutenção da identidade cultural
Em tempos de globalização e homogeneização cultural, manter vivas tradições locais como as påskkärringar é uma forma de preservar o que há de mais autêntico na identidade de um povo. É por meio desses costumes que crianças aprendem sobre suas raízes e fortalecem os vínculos com sua comunidade.
Educação através do folclore
O contato com essas práticas folclóricas também proporciona oportunidades educativas. Muitas escolas suecas incentivam a criação de cartões, a pesquisa sobre as bruxas no folclore e a confecção dos trajes, promovendo o aprendizado lúdico e o desenvolvimento criativo.
Considerações finais
A tradição sueca das påskkärringar é um exemplo fascinante de como mitos antigos podem se transformar em celebrações modernas, alegres e educativas. O que um dia foi medo, julgamento e repressão, hoje é festa, cor e união.
Ao transformar a figura da bruxa em símbolo de renovação e doçura, a Suécia oferece uma lição sobre resiliência cultural e reinvenção de significados. Em tempos em que a diversidade cultural corre risco de ser apagada, iniciativas como essa mostram como é possível manter vivas as histórias que nos conectam com o passado e inspiram as futuras gerações.


