A Bahia conquistou um posto curioso no ranking nacional de mobilidade: é o estado com a maior proporção de trabalhadores que caminham até o trabalho. Segundo dados do Censo Demográfico 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 27,6% da população ocupada baiana faz o trajeto diário a pé, número superior à média nacional de 17,4%.
Essa estatística revela um retrato singular da rotina dos baianos, especialmente em cidades de pequeno e médio porte, onde as distâncias entre casa e trabalho são menores. No entanto, o dado também acende alertas sobre desigualdades socioeconômicas e a infraestrutura urbana disponível para pedestres. A seguir, exploramos as causas, consequências e perspectivas desse comportamento que define o cotidiano de milhares de trabalhadores no estado.
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A Bahia no topo do ranking
De acordo com o levantamento do IBGE, mais de 1,1 milhão de baianos caminham até o trabalho diariamente. Essa proporção coloca o estado à frente de Alagoas (24,9%) e Pernambuco (24,8%), que completam o pódio nordestino.
A pesquisa aponta ainda que quase nove em cada dez pessoas que fazem o percurso a pé gastam menos de 30 minutos no trajeto. A maioria percorre distâncias curtas, especialmente em municípios onde há concentração de empregos e serviços nos centros urbanos.
Embora a capital, Salvador, registre menor percentual que o interior, o número ainda é expressivo: cerca de 130 mil pessoas, ou 15,1% da população ocupada da cidade, deslocam-se a pé para o trabalho — uma das maiores proporções entre as capitais brasileiras.
Por que tantos trabalhadores caminham?

Proximidade entre casa e emprego
Uma das principais razões para o alto número de pedestres é a proximidade geográfica entre moradia e trabalho. Em diversas cidades baianas, especialmente nas menores, o comércio, escolas e serviços públicos estão concentrados em áreas centrais. Isso facilita trajetos curtos, dispensando o uso de transporte motorizado.
Realidade econômica e custo do transporte
O custo elevado do transporte público e a baixa taxa de motorização também ajudam a explicar o fenômeno. Em muitas regiões, especialmente nas periferias e em cidades do interior, o transporte coletivo é escasso ou caro, e poucas famílias possuem veículos próprios. Caminhar, portanto, é uma alternativa prática e gratuita.
Cultura urbana e hábitos locais
A caminhada faz parte da rotina de muitos baianos, não apenas por necessidade, mas também como um costume cultural. Em municípios de menor porte, é comum encontrar ruas movimentadas por pessoas a pé, indo ao trabalho, ao mercado ou à escola, fortalecendo o caráter comunitário e a convivência cotidiana.
Infraestrutura urbana concentrada
Outro fator é o planejamento urbano compacto de várias cidades, com ruas curtas e bairros próximos. Em locais como Saubara, Cairu e Firmino Alves — que lideram o ranking nacional — mais de 70% da população ocupada vai a pé para o trabalho. Nesses municípios, a configuração urbana favorece deslocamentos rápidos e de curta distância.
Benefícios da caminhada diária
Impactos positivos na saúde
A caminhada regular é uma das atividades físicas mais acessíveis e eficazes para o bem-estar. Para quem realiza o percurso diariamente, há melhorias no sistema cardiovascular, redução do estresse e fortalecimento da musculatura. Em outras palavras, muitos trabalhadores acabam praticando exercício físico sem sequer perceber.
Redução da poluição e do trânsito
O deslocamento a pé também contribui para a redução das emissões de gases poluentes e do congestionamento urbano, ajudando a tornar as cidades mais sustentáveis. Em um momento em que o mundo busca alternativas de mobilidade limpa, o comportamento dos baianos se mostra alinhado às metas ambientais globais.
Fortalecimento do comércio local
Ao caminhar, as pessoas se tornam parte ativa do ambiente urbano, interagindo com vizinhos e movimentando o comércio de rua. Essa dinâmica fortalece a economia local e cria uma relação mais próxima entre moradores e os espaços públicos.
Os desafios da mobilidade a pé na Bahia
Falta de estrutura para pedestres
Apesar do alto número de caminhantes, a infraestrutura urbana ainda deixa a desejar. Em muitas cidades, faltam calçadas adequadas, iluminação pública e sinalização. A ausência de espaços seguros compromete o conforto e a segurança dos pedestres, especialmente para idosos, mulheres e pessoas com deficiência.
Exposição ao clima e ao risco
O clima quente da Bahia, aliado à falta de sombreamento e de áreas de descanso, torna a caminhada mais desgastante. Além disso, a insegurança urbana é um obstáculo para quem se desloca a pé em horários noturnos ou por rotas isoladas.
Desigualdade social e mobilidade limitada
Embora caminhar traga benefícios, é preciso reconhecer que muitos o fazem por falta de opção. O transporte público limitado e o alto custo de vida fazem com que a caminhada, em muitos casos, não seja uma escolha, mas uma imposição.
Essa realidade expõe desigualdades regionais e ressalta a necessidade de políticas públicas que garantam o direito à mobilidade de forma segura e acessível.
O retrato das cidades que mais caminham
A Bahia concentra alguns dos municípios com maiores índices de deslocamento a pé no Brasil. Em Cairu, Saubara e Firmino Alves, mais de 75% dos trabalhadores caminham até o trabalho. Nessas localidades, as distâncias curtas e a configuração urbana facilitam a mobilidade não motorizada.
Em contraste, nas grandes cidades, a caminhada costuma ser complementada por outros meios de transporte, como ônibus e metrô, devido às longas distâncias e à expansão territorial. Em Salvador, por exemplo, o transporte coletivo ainda é o principal meio utilizado, seguido pelo automóvel e pela caminhada.
Caminhar é tendência: a mobilidade do futuro
O movimento global das cidades “caminháveis”
Em várias partes do mundo, cresce a adoção do conceito de “cidades caminháveis” — locais planejados para facilitar a vida de quem se desloca a pé. A ideia é integrar moradia, trabalho, lazer e serviços em distâncias curtas, reduzindo a dependência de veículos.
Essa tendência dialoga com a realidade de muitas cidades baianas, ainda que de forma espontânea. Promover políticas públicas que consolidem esse modelo pode transformar o deslocamento a pé em uma escolha consciente, e não em uma necessidade.
Caminhar como política pública
Para valorizar o pedestre, é preciso investir em calçadas acessíveis, travessias seguras e iluminação eficiente. Ações de urbanismo tático — como ampliar calçadas, criar faixas exclusivas e revitalizar praças — podem tornar a caminhada mais atraente e segura.
Também é fundamental integrar a caminhada ao transporte público, com terminais bem localizados e rotas que priorizem o deslocamento humano.
Educação e conscientização
Campanhas educativas podem estimular a valorização da caminhada, destacando seus benefícios para a saúde e para o meio ambiente. Além disso, é necessário promover o respeito entre pedestres, ciclistas e motoristas, criando uma convivência mais harmônica no trânsito.
Considerações finais
O fato de a Bahia liderar o Brasil no número de trabalhadores que vão a pé ao trabalho revela um estado onde o cotidiano ainda se desenrola nas ruas. Essa característica mistura praticidade, cultura e desafios urbanos.
Caminhar é, sem dúvida, um hábito saudável e sustentável — mas também um reflexo das condições econômicas e da estrutura das cidades. Para transformar esse dado em símbolo de qualidade de vida, é preciso garantir que a caminhada seja uma escolha segura, acessível e valorizada, e não apenas uma consequência da falta de opções.
A Bahia mostra que o futuro da mobilidade pode estar nos passos do presente. O desafio agora é fazer com que esse caminho seja percorrido com dignidade, conforto e inclusão para todos.













