Audiências por videochamada ganham espaço e dividem opiniões no Judiciário
Desde a pandemia de Covid-19, as audiências por videochamada deixaram de ser exceções e se tornaram práticas amplamente adotadas pelos tribunais brasileiros. Viabilizadas por plataformas como Zoom, Microsoft Teams e Cisco Webex, elas foram regulamentadas em caráter emergencial, mas rapidamente ganharam respaldo legal.
Hoje, mesmo com a retomada dos atendimentos presenciais, muitos tribunais mantêm o uso da tecnologia, alegando economia de recursos, agilidade e maior alcance para jurisdicionados que vivem em locais remotos. No entanto, há divergências sobre a efetividade e os riscos da modalidade.
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A evolução da Justiça digital no Brasil
Histórico e regulamentação das audiências remotas
Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 314, que estabeleceu o regime de Plantão Extraordinário durante a pandemia. Posteriormente, outras normas, como a Resolução 354, consolidaram o uso da tecnologia para atos processuais.
Essas normativas permitiram que tribunais realizassem não apenas audiências, mas também sessões de julgamento e depoimentos à distância, adaptando o rito processual ao ambiente digital.
Avanço tecnológico e adesão dos tribunais
A digitalização acelerada resultou na criação de sistemas internos de videoconferência e investimentos em infraestrutura. O Processo Judicial Eletrônico (PJe) e as plataformas integradas passaram a oferecer suporte nativo para sessões virtuais, facilitando o acesso das partes e otimizando prazos.
As principais vantagens das audiências por videochamada

Acesso à Justiça ampliado
A realização de audiências por videochamada tem proporcionado maior inclusão, especialmente em regiões distantes ou de difícil acesso. Cidadãos que antes enfrentavam dificuldades logísticas para comparecer fisicamente às audiências agora podem participar diretamente de suas casas ou escritórios.
Redução de custos e maior eficiência
O modelo remoto gera economia para o Poder Judiciário e para as partes envolvidas. Custos com deslocamento, hospedagem e locomoção de testemunhas e advogados são eliminados, além de permitir o aproveitamento melhor do tempo dos magistrados e servidores.
Celeridade processual
A eliminação de fatores logísticos acelera o andamento dos processos, reduz o número de remarcações e facilita o cumprimento de prazos. Com audiências sendo marcadas com maior rapidez, há um impacto direto na duração total das demandas judiciais.
Inclusão digital e flexibilidade
As audiências virtuais incentivam a adaptação de operadores do Direito ao uso de tecnologias. Além disso, oferecem mais flexibilidade, especialmente em áreas com escassez de juízes ou quando há sobrecarga de processos em determinadas varas.
As desvantagens e riscos das audiências remotas
Fragilidade no contraditório e ampla defesa
Um dos principais argumentos contrários ao uso das videochamadas é a limitação da atuação da defesa. Em casos criminais ou sensíveis, como audiências de custódia, há o risco de o réu não compreender plenamente seus direitos ou sofrer coação sem que isso seja perceptível pela câmera.
Problemas técnicos e instabilidade de conexão
A conexão à internet precária em muitas regiões do Brasil pode inviabilizar a participação das partes. Quedas de sinal, ruídos e atrasos prejudicam a fluidez da audiência e comprometem a coleta adequada dos depoimentos.
Impossibilidade de análise completa da linguagem corporal
Magistrados e advogados relatam dificuldade em captar nuances do comportamento das partes, como expressões faciais ou sinais de nervosismo, o que pode interferir na formação do convencimento durante a instrução.
Riscos de violação da intimidade e segurança dos depoimentos
Ambientes domésticos nem sempre oferecem o sigilo necessário. Testemunhas podem estar sendo orientadas por terceiros fora do campo de visão da câmera. Isso compromete a credibilidade dos relatos e o princípio da veracidade do testemunho.
Dificuldade na produção de provas complexas
Em processos que envolvem análise de documentos físicos, perícias ou reconstruções de fatos, o meio virtual pode se mostrar insuficiente. A presença física continua sendo mais eficaz em certos contextos, como inspeções judiciais.
O posicionamento da advocacia e da magistratura
OAB defende critérios claros e direito à escolha
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem se posicionado favoravelmente à manutenção das audiências presenciais como opção sempre que uma das partes solicitar. Para a entidade, é essencial garantir que o meio virtual não se torne compulsório em detrimento de garantias fundamentais.
Juízes reconhecem ganhos, mas pedem moderação
Para muitos magistrados, o modelo híbrido é o caminho mais adequado. Defendem que audiências virtuais sejam priorizadas para fases iniciais, como conciliações, e as presenciais para instruções com depoimentos e sentenças mais complexas.
Casos em que a videochamada é mais adequada
Audiências de conciliação e mediação
Essas audiências, em que o objetivo principal é o acordo entre as partes, tendem a ser mais efetivas por videochamada. A informalidade e o ambiente mais confortável podem facilitar o diálogo e a disposição para negociar.
Processos administrativos e trabalhistas
Na Justiça do Trabalho e em órgãos administrativos, a audiência remota tem sido amplamente aceita, especialmente para depoimentos de testemunhas e homologações. A informalidade relativa desses ritos permite maior adaptação.
Depoimentos de partes vulneráveis ou distantes
Testemunhas residentes em outros estados ou países, pessoas com deficiência ou em situação de risco se beneficiam da videochamada, evitando longos deslocamentos ou exposições desnecessárias.
O futuro das audiências no Brasil: presencial, remoto ou híbrido?
O Judiciário caminha para uma realidade híbrida. A tendência é que cada fase do processo seja avaliada quanto à viabilidade do formato remoto, observando critérios técnicos, a natureza da causa e o interesse das partes.
O CNJ já discute propostas para regulamentar definitivamente o uso das videochamadas, garantindo segurança jurídica e respeitando os princípios constitucionais do processo.
Boas práticas e recomendações para audiências virtuais
Cuidados técnicos e preparação
- Verificar antecipadamente a qualidade da conexão
- Usar equipamentos com câmera e microfone em boas condições
- Garantir ambiente silencioso e neutro
- Usar trajes compatíveis com o ambiente jurídico
Procedimentos que garantem maior lisura
- Solicitar que as partes mostrem o ambiente ao redor no início da audiência
- Exigir o uso de fone de ouvido para evitar interferências externas
- Proibir o uso de celulares ou mensagens durante o depoimento
- Gravar integralmente a audiência para futura consulta
Considerações finais
As audiências por videochamada representam uma inovação importante no contexto da Justiça brasileira. Têm potencial de democratizar o acesso, aumentar a eficiência do sistema e reduzir custos. No entanto, também expõem vulnerabilidades estruturais, riscos de cerceamento de defesa e desafios éticos.
O debate deve continuar, buscando um equilíbrio que respeite direitos fundamentais sem abrir mão dos avanços proporcionados pela tecnologia. A Justiça do futuro será, muito provavelmente, híbrida — e precisa ser, antes de tudo, justa.













