O Brasil vive um cenário preocupante em relação ao domínio da leitura e da escrita. De acordo com a edição mais recente do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgada em maio de 2025, cerca de 29% da população brasileira entre 15 e 64 anos é considerada analfabeta funcional — ou seja, pessoas que até sabem ler e escrever palavras simples, mas não conseguem interpretar textos ou fazer cálculos básicos no dia a dia.
A taxa, que permanece inalterada desde 2018, revela um impasse no avanço do ensino básico e alerta para a urgência de políticas públicas mais eficazes no combate às deficiências educacionais.
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O que significa ser analfabeto funcional?
Ao contrário do analfabetismo absoluto, em que a pessoa não reconhece nem letras ou números, o analfabetismo funcional ocorre quando o indivíduo possui habilidades mínimas de leitura e escrita, mas não consegue aplicar esse conhecimento em situações práticas. Por exemplo, não consegue entender uma bula de remédio, calcular descontos simples ou interpretar informações em gráficos.
Essa condição prejudica diretamente a inserção no mercado de trabalho, a autonomia nas decisões cotidianas e a cidadania plena, comprometendo o desenvolvimento social e econômico do país.
Como o estudo foi realizado
Amostragem e metodologia do Inaf 2025
O levantamento foi conduzido entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, com base em entrevistas com 2.554 pessoas de todas as regiões do país, com idades entre 15 e 64 anos. O Inaf, uma das principais referências para avaliação do letramento no Brasil, analisa a capacidade da população de aplicar conhecimentos de leitura, escrita e matemática em contextos reais.
Os resultados foram segmentados em cinco níveis:
- Analfabetismo absoluto (7%): pessoas incapazes de ler ou escrever palavras simples.
- Rudimentar (22%): conseguem ler frases curtas, mas não interpretam textos ou fazem cálculos básicos.
- Elementar (36%): têm entendimento básico de textos curtos e realizam operações simples.
- Intermediário (25%): compreendem textos mais extensos e lidam com tarefas numéricas cotidianas.
- Proficiente (10%): dominam plenamente leitura, escrita e raciocínio lógico.
A soma das categorias “analfabeto absoluto” e “rudimentar” representa os 29% de analfabetos funcionais no país.
A estagnação nos índices desde 2018
Apesar de diversas ações voltadas à melhoria da educação nos últimos anos, os dados do Inaf mostram que o país não conseguiu avançar na superação do analfabetismo funcional. Desde 2018, o índice permanece estagnado em 29%, o que sugere falhas estruturais no sistema educacional.
Especialistas apontam que, embora haja expansão no acesso à escola, a permanência e a qualidade da aprendizagem ainda são desafios centrais. Muitos alunos passam anos na escola sem consolidar as habilidades mínimas necessárias para interpretar e aplicar o conhecimento de forma prática.
O impacto da pandemia na aprendizagem

Retrocesso entre jovens
O estudo identificou um aumento do analfabetismo funcional entre jovens de 15 a 29 anos: em 2018, essa faixa etária registrava 14%; em 2025, o número subiu para 16%. Esse crescimento está diretamente ligado às consequências da pandemia de COVID-19, que interrompeu o ensino presencial por longos períodos.
Durante a pandemia, milhões de estudantes tiveram aulas remotas, mas muitos deles não dispunham de acesso à internet ou equipamentos adequados. A ausência de interação direta com professores e colegas afetou profundamente o desenvolvimento cognitivo, especialmente entre os mais vulneráveis.
Desigualdade digital como agravante
Além das dificuldades pedagógicas, o chamado “abismo digital” agravou o problema. Alunos da rede pública, especialmente em regiões periféricas e rurais, enfrentaram grandes obstáculos para acompanhar o conteúdo escolar — e muitos acabaram abandonando os estudos.
Perfil do analfabetismo funcional no Brasil
Por faixa etária
A pesquisa aponta que quanto maior a idade, maior a incidência de analfabetismo funcional:
- Entre pessoas de 50 a 64 anos, o índice é de 51%;
- De 40 a 49 anos, cai para 34%;
- De 30 a 39 anos, é 22%;
- E de 15 a 29 anos, 16%.
Isso revela um desafio intergeracional, mas também indica que as novas gerações, apesar de menor índice, não estão livres da deficiência.
Por escolaridade
Surpreendentemente, o problema não está restrito a quem tem baixa escolaridade. Mesmo entre quem concluiu o ensino médio, 17% apresentam analfabetismo funcional. E entre os diplomados no ensino superior, 12% não conseguem aplicar habilidades básicas de leitura e interpretação.
Por raça e etnia
A pesquisa também apontou disparidades raciais:
- Entre brancos, 28% são analfabetos funcionais;
- Entre pretos e pardos, o número sobe para 30%;
- Já entre indígenas e amarelos, o índice é alarmante: 47%.
As desigualdades raciais na educação se refletem também no nível de letramento, exigindo políticas públicas que levem em consideração o recorte étnico-social.
Efeitos do analfabetismo funcional na vida prática
A dificuldade de ler e compreender textos tem consequências em diferentes esferas da vida. Entre os impactos mais comuns estão:
- Incapacidade de seguir instruções médicas corretamente;
- Dificuldade para preencher formulários ou contratos;
- Limitação na interpretação de notícias e informações;
- Vulnerabilidade a golpes e desinformação;
- Menor qualificação para o mercado de trabalho;
- Baixa autoestima e exclusão social.
Do ponto de vista econômico, trabalhadores com baixo nível de letramento tendem a ocupar funções com remuneração menor e pouca mobilidade, o que perpetua o ciclo de pobreza.
O que pode ser feito: caminhos para reverter o quadro
Reforço à alfabetização de jovens e adultos
Programas como o EJA (Educação de Jovens e Adultos) e iniciativas voltadas à alfabetização de adultos precisam ser fortalecidos e descentralizados. Muitas vezes, quem precisa do serviço está longe de centros urbanos ou abandonou a escola por necessidade de trabalhar.
Investimento em formação docente
A valorização do professor, incluindo remuneração adequada, formação continuada e condições dignas de trabalho, é essencial para garantir qualidade na alfabetização desde os primeiros anos escolares.
Política educacional baseada em evidências
É preciso utilizar os dados disponíveis — como os do Inaf — para direcionar ações efetivas. Isso inclui diagnósticos precisos, avaliação de impacto de programas existentes e revisão de políticas ineficazes.
Inclusão digital
A universalização do acesso à internet e a distribuição de equipamentos tecnológicos devem ser vistas como políticas de inclusão educacional. Ferramentas digitais bem aplicadas podem apoiar o ensino e a alfabetização.
Considerações finais
O dado de que três em cada dez brasileiros adultos são analfabetos funcionais deve ser encarado como um sinal de alerta máximo. O país não pode aceitar como normal que 29% da sua população economicamente ativa enfrente dificuldades para ler, escrever ou realizar cálculos simples.
Romper esse ciclo exige mais do que expandir matrículas escolares: é preciso garantir que a aprendizagem de fato aconteça. Com vontade política, investimento estruturado e atuação conjunta entre governos, sociedade civil e educadores, ainda é possível reverter essa realidade e construir um Brasil mais letrado, justo e desenvolvido.













