Para o olhar leigo, a Pedra de Roseta é apenas um pedaço de granito com inscrições desgastadas. No entanto, seu valor histórico é incalculável: ela representou a chave para compreender os hieróglifos egípcios, sistema de escrita que intrigou estudiosos por séculos.
O então diretor do British Museum, Neil MacGregor, descreveu-a em 2010 como “uma pedra cinza do tamanho de uma mala de aeroporto, com bordas ásperas e fraturas que cortam parte do texto. E, quando se lê, o conteúdo é predominantemente jargão burocrático sobre concessões fiscais.” Apesar de seu aspecto monótono, a Pedra de Roseta esteve no centro de batalhas políticas e culturais, desde a disputa entre Inglaterra e França pelo Oriente Médio até a fascinante corrida para decifrar os hieróglifos, que completa 200 anos.
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Hieróglifos: símbolos milenares do Egito Antigo
Os hieróglifos surgiram por volta de 3.000 a.C., inicialmente como representações visuais de objetos e, posteriormente, de palavras e sons. Foram utilizados em túmulos, estátuas e papiros, formando uma linguagem complexa que combinava elementos figurativos, simbólicos e fonéticos.
Apesar de o Egito Antigo ter deixado monumentos impressionantes, os hieróglifos caíram em desuso no século IV. Por isso, seu significado permaneceu um mistério até a descoberta da Pedra de Roseta. Ilona Regulski, responsável pela coleção de papiros do British Museum, afirma: “Este objeto permitiu decifrar o código que tornou possível compreender a linguagem dos antigos egípcios.”
A revolução na egiptologia
Richard Parkinson, professor de egiptologia do Queen’s College, em Oxford, explica que a Pedra de Roseta marcou o ponto de virada no estudo dos hieróglifos. Antes dela, o acesso europeu aos monumentos egípcios era limitado e dependia de registros gregos e romanos.
“O conhecimento sobre os hieróglifos era insuficiente para interpretar seus significados. Os pesquisadores os viam apenas como ideogramas, representações de ideias, e não de sons”, acrescenta Parkinson.
Jean-François Champollion, que decifrou os hieróglifos em 1822, descreveu o sistema como “uma escrita inteiramente figurativa, simbólica e fonética ao mesmo tempo, dentro de uma mesma frase ou palavra.”
A descoberta e importância da Pedra de Roseta
Em 1798, durante a campanha napoleônica no Egito, estudiosos acompanharam as tropas francesas. Um ano depois, perto de El-Rashid (Rosetta), soldados encontraram a pedra ao escavar as fundações de um forte. Penelope Wilson, professora de arqueologia egípcia, comenta: “Foi um momento ‘eureka’. Desde o início, perceberam que a pedra era importante; cópias a tinta foram enviadas a estudiosos do Antigo Egito.”
O diferencial da Pedra de Roseta é que o mesmo decreto estava inscrito em três idiomas: grego clássico, demótico (escrita cotidiana do povo) e hieróglifos sacerdotais. Essa duplicidade permitiu aos estudiosos comparar os textos e identificar a relação entre símbolos e sons.
Neil MacGregor explica: “Na última linha hieroglífica, três sinais soletram os sons da palavra ‘laje de pedra’ em egípcio antigo, enquanto um quarto signo ilustra a pedra. Assim, som e imagem funcionam juntos.”
Conteúdo histórico da Pedra de Roseta
A Pedra de Roseta data de 196 a.C., durante o primeiro aniversário da coroação de Ptolomeu 5º. A dinastia ptolomaica governava o Egito desde a conquista de Alexandre, o Grande, no século IV a.C. Neil MacGregor detalha: “Os ptolomeus falavam grego e impuseram esta língua à administração estatal, que perduraria por mil anos.”
O decreto contido na Pedra de Roseta tinha como objetivo garantir o apoio dos sacerdotes egípcios ao jovem faraó. Dorothy Thompson, professora emérita de Cambridge, explica que, além de reafirmar a divindade de Ptolomeu 5º, o texto concedia privilégios inéditos aos sacerdotes, como não precisar se deslocar a Alexandria anualmente, fortalecendo a legitimidade do reinado.
Apesar de o conteúdo ser burocrático e árido, ele simboliza poder e compromisso, sendo fundamental para entender a complexidade política e religiosa do Egito Antigo.
Legado da Pedra de Roseta
A descoberta da Pedra de Roseta abriu caminho para a decifração dos hieróglifos e revolucionou a egiptologia. Seu estudo permitiu compreender não apenas a linguagem, mas também aspectos culturais, religiosos e políticos do Egito Antigo, transformando a pedra em um ícone da história da humanidade.
Para pesquisadores e curiosos, ela representa a ponte entre o passado e o presente, mostrando como uma simples pedra de granito pode conter segredos que alteram nossa compreensão da civilização egípcia.













